Corrupção como instrumento de manobra
Novos casos de corrupção chegam ao noticiário em velocidade de cruzeiro, mas a mídia não fala do custo administrativo, econômico e social da corrupção.
Não é raro que o açodamento leve a injustiças. No ano passado, foi estigmatizado como ‘vampiro’ um funcionário do Ministério da Saúde depois inocentado. O noticiário sobre a máfia do sangue foi minguando. Agora vêm à tona supostas ligações dessa turma com encomendas de remédios feitas pelos Correios. O Estado de S. Paulo, hoje, vai adiante: apresenta denúncias ligadas ao IRB, Instituto de Resseguros do Brasil.
Mas as manchetes viram um palco subordinado à lógica da disputa eleitoral de 2006. Em todas elas destaca-se que integrantes do bloco governista deram apoio à instauração de uma CPI, como se isso fosse uma aberração, e não as irregularidades. E pouco se lê sobre a apuração dos gravíssimos fatos denunciados.
Alberto Dines:
– A mídia não está conseguindo obter fatos novos no caso do ‘vídeo das propinas’. Por isso está apelando para recursos não muito decentes para fazer barulho e criar uma bola de neve que ninguém possa deter. Tirar do ostracismo a figura do senador ACM apenas para dar-lhe a oportunidade de dizer as grosserias que outros parlamentares teriam escrúpulos em manifestar beira a irresponsabilidade. O senador ACM quase foi cassado por quebra de decoro, depois quase foi enquadrado por causa do megagrampo que instalou na Bahia. Não é a pessoa mais indicada para defender a moralidade ou afirmar que o presidente Lula ‘perdeu a autoridade moral’. O senador baiano pode dizer o que bem entende, mas a mídia deveria ser mais cuidadosa na escolha daqueles que vão servir de referência para os seus leitores.
Juros e gastos públicos
Começou ontem, com a decisão do Banco Central, mais uma temporada mensal de debate sobre a taxa de juros. Essa discussão só marginalmente tira da sombra alguns pontos que precisam ser trabalhados pela mídia. Um deles, talvez o decisivo, é o controle dos gastos públicos.
Não há como aceitar que seja impossível reduzi-los. Se depender apenas da vontade dos interessados diretos, funcionários públicos e políticos, as mudanças serão eternamente adiadas. Daí a importância que teria uma radiografia feita pela mídia para mostrar isso.
Censura condenada
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, escreve hoje no Estado de S. Paulo que a censura prévia, no caso do livro Na Toca dos Leões, de Fernando Morais, e no caso do vídeo sobre corrupção em Rondônia exibido pela TV Globo, é inaceitável à luz da Constituição.
Belo reforço para a causa da liberdade de expressão.
Cracolândia só mudou de endereço
A mídia paulista deu destaque, há algumas semanas, a uma chamada Operação Limpa, em torno da Praça Júlio Prestes, região do Centro de São Paulo onde se desenvolveu durante décadas a famosa Cracolândia. Pessoas foram presas, estabelecimentos onde se guardavam e forneciam drogas foram fechados, crianças removidas, o policiamento foi reforçado.
Nenhum repórter se preocupou em verificar para onde tinham ido o crack e os viciados mirins. Hoje, surpresa!, uma reportagem do Estado de
S. Paulo descobre que andaram três ou quatro ruas. Por involuntária ironia, estão na Praça Julio Mesquita, denominada assim em homenagem ao patrono do jornal.