A mídia ainda não decidiu
O governo não pode se queixar do tratamento que lhe dá a principal mídia do país, a TV Globo. Ontem, o Jornal Nacional foi tomado por um surto de atividade policial que empurrou o curto noticiário sobre CPI para quase nove da noite. O destaque coube à Operação Curupira, da Polícia Federal, que prendeu uma suposta quadrilha que desviava madeira, muita madeira.
Por coincidência, esse caso, que estava sendo investigado há nove meses, veio à tona ontem.
O jornal O Globo jogou para a página 8 o noticiário sobre CPI.
Não dá para dizer que a imprensa já tomou partido pela oposição na disputa presidencial de 2006. A mídia mais importante ainda está pesquisando o rumo dos ventos.
Investigação terceirizada
O Alberto Dines dá uma sugestão de pauta sobre CPI, investigações e pizzas.
Dines:
– A mídia ainda não explorou a coincidência — na próxima terça-feira começa em Brasília, o 4º Fórum Global de Combate à Corrupção, organizado pela Controladoria Geral da União com o apoio da ONU e da Transparência Brasil.
A agenda do Fórum só será revelada hoje pelo ministro Waldir Pires, mas este Observatório toma a liberdade de sugerir um tópico oportuníssimo e que no momento apaixona os EUA: Mark Felt, o Garganta Profunda do caso Watergate, é herói ou traidor? Fez bem em denunciar as infrações cometidas pela Casa Branca ou cometeu crime de lesa-pátria? Em outras palavras, precisamos criar um Disque-Denúncia dentro do serviço público ou vamos continuar dependendo dos empresários-arapongas?
Uma coisa é certa: os participantes estrangeiros do Fórum de Combate à Corrupção serão os maiores beneficiários – poderão aprender como se faz pizza no Brasil e, principalmente, como a mídia terceirizou seus espírito investigativo.
Racismo combatido
Bom trabalho faz a Folha de hoje ao destacar uma ação policial contra racismo na internet, dentro do portal de relacionamento Orkut. O alvo foi um estudante da Universidade Mackenzie, de São Paulo.
Se ele e seus pais não sabiam que racismo é crime, agora ficaram sabendo. E muito mais gente que lê jornal.
Caiado quer mais censura
Dora Kramer informa em sua coluna no Estadão de hoje que o deputado Ronaldo Caiado, do PFL de Goiás, quer impedir a exibição, num festival, de um filme francês sobre o uso de amianto no Brasil. No documentário, Caiado aparece dizendo que recebeu doação de uma mineradora.
No livro de Fernando Morais Na Toca dos Leões, que a Justiça goiana mandou interditar a pedido de Caiado, o deputado aparece cogitando da esterilização de mulheres contra a superpopulação, abre aspas ‘nos estratos inferiores do país, os nordestinos’, fecha aspas.
Na Toca dos Leões
continua à venda nas livrarias e pela internet.
Polícia cinematográfica
Fez parte do robusto cardápio de operações policiais exibidas ontem pela TV Globo uma operação da polícia civil de São Paulo que impediu suposto seqüestro de um bebê de nove meses. Foi exibida uma filmagem feita pela própria polícia. Filmagem de amador, tremida. No Jornal Nacional, a locução dizia: ‘A ação é nervosa. A vida de um bebê de nove meses está em risco’.
Nessa situação delicada, nem todos os policiais estavam lá para agir diretamente contra os supostos criminosos. Um deles foi garantir o ibope. E a televisão mostrou, sem dar um pio, um policial com o pé no rosto de um suspeito dominado, no chão. Como se isso fosse método policial aceitável.
Se violência policial desse certo, o Brasil seria um paraíso. Mídia complacente com métodos brutais é um caminho para a barbárie.
A fotografia principal da primeira página do Globo de hoje é a de um policial militar chutando o rosto de um suspeito dominado, no chão, no Rio de Janeiro. Mas se trata de uma denúncia da covardia, com o título ‘Chute na cara, mesmo algemado’.