Protocolo e capoeira
A cobertura da visita do presidente dos Estados Unidos ao Brasil só alcançou um padrão próximo do da imprensa americana e européia nesta segunda-feira, depois de avaliados os discursos oficiais e o comportamento de Barack Obama e sua família na sua primeira viagem ao Brasil.
Os jornais brasileiros não apostaram o suficiente no fato de que Obama tenha mantido a agenda apesar do agravamento da crise no mundo árabe.
Embora as manchetes tenham refletido o esforço dos jornalistas para identificar alguma novidade concreta nos discursos, declarações e comportamento do visitante ilustre, a informação que ficará para a História é a de que Barack Obama decidiu autorizar os ataques ao exército de Muhammar Gaddafi durante sua viagem ao Brasil.
Ou seja, o Brasil foi um acidente geográfico no seu caminho.
O enredo mais importante desde trecho da História está acontecendo no Norte da África e no Oriente Médio, não no Brasil.
A concessão de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, que está virando uma obsessão por aqui, não seria anunciada, sugerida ou analisada numa visita protocolar como a que foi feita por Obama.
Como destacaram alguns analistas no final de semana, Obama veio reforçar os laços comerciais com o Brasil, marcar presença contra a crescente influência da China na região e afagar o ego nacional.
O esforço por detectar algum sinal de apoio à pretensão brasileira e as maquinações mentais para vislumbrar elementos estratégicos nas palavras do presidente americano são apenas parte do trabalho diário do jornalista, que precisa sempre convencer o leitor de que o mais relevante é aquilo que está publicado.
Mas faltou, por exemplo, esclarecer os objetivos e o alcance dos nove acordos bilaterais assinados na parte oficial da visita.
A julgar pelas fotografias publicadas pelos jornais, a imagem do Brasil que mais parece ter impressionado Barack e Michele Obama foi a do menino fazendo acrobacias de capoeira numa demonstração que lhe prepararam na Cidade de Deus, Rio de Janeiro.
Mais uma vez, a ginga, o ritmo e a dança fazem a marca do país que quer ser visto como igual entre os grandes.
Especulação e barulho
Alberto Dines:
– Conflito na Líbia, pesadelo nuclear no Japão, Obama no Brasil — com estes três eventos de primeira grandeza na pauta é compreensível que nossa mídia tenha optado por destacar a visita do primeiro presidente negro a ocupar a Casa Branca. Apesar de alguns sucessos no esforço de controlar o superaquecimento dos reatores da central nuclear em Fukushima, a médio e longo prazo as notícias que chegam do Japão não são animadoras. A implantação da zona de exclusão aérea na Líbia pedida pela Liga Árabe e sancionada pelas Nações Unidas, embora seja quente, rende poucas imagens: jatos supersônicos levantando vôo ou nuvens de fumaça subindo de alvos distantes não são propriamente empolgantes. O carismático Barack Obama, acompanhado pela charmosa Michelle ao lado da presidente Dilma Rousseff aqui, entre nós — primeiro em Brasília e depois no Rio de Janeiro — contém todos os ingredientes humanos e políticos para impor-se aos demais itens da agenda jornalística. A visita foi exaustivamente coberta, todas as ocorrências e fatos minuciosamente acompanhados, mas as avaliações e análises claudicaram.
A hipótese de que o presidente de uma república democrática possa, num passe de mágica ou golpe de caneta, acabar com os subsídios aos seus agricultores passando por cima do Legislativo é de uma ingenuidade ímpar. Outra elucubração que ocupou manchetes e extensas análises foi motivada pelo substantivo “apreço” utilizado por Obama na avaliação da pretensão brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Apreço foi um termo considerado insuficiente, o mesmo acontecendo com a designação do Brasil como mero “parceiro” enquanto a Índia tem o status de “aliada”.
Pura especulação jornalística para fazer barulho. Jornalistas geralmente sabem quando especulam, mas geralmente se conformam com a especulação porque em política fatos concretos são raros. A ampliação do Conselho de Segurança da ONU não será decidida pelos Estados Unidos sozinho e nem se resumirá a um assento apenas. Tudo indica que os Cinco Grandes decidirão consensualmente uma ampliação significativa: de 15 para 20 ou 21 países de modo a incluir todos os continentes, alguns subcontinentes e privilegiar as maiores potências econômicas, o que significa a inclusão da Alemanha e dos dois Brics ainda de fora: Brasil e Índia. A decisão de Obama em manter a visita ao Brasil enquanto os EUA iniciavam a participação no confronto militar na Líbia é um dado relevante. Vale mais do que as sutilezas e conjecturas que só confundem o distinto público.
O mesmo se deu com a versão de que o ex-presidente Lula recusou participar do almoço em homenagem a Obama ao lado dos seus antecessores porque o convite não veio da Presidência, mas do Itamarati. Pura fantasia. Lula não foi porque faz política em regime full-time e está interessado em assumir-se como líder anti-ianque da América do Sul.