Reforma editorial
Os chamados jornais de elite, aqueles que se dirigem aos leitores de renda mais alta, precisam tirar o noticiário policial do gueto onde tradicionalmente é colocado.
Não que os leitores mais educados estejam tão interessados em notícias sobre assaltos e estupros nas periferias das cidades do que na cirurgia a que foi submetida a pobre modelo Naomi Campbell ou na disputa entre Hillary Clinton e Barack Obama.
O noticiário policial precisa de espaço mais próximo àquele que é destinado à política e à economia porque o objeto da notícia, o crime, está cada vez mais próximo do poder.
As imagens do presidente da República, em inauguração no Rio de Janeiro, no mesmo palanque em que se encontrava um deputado acusado de chefiar milícias, são apenas um símbolo da mescla perversa entre o crime e o poder político.
Sabe-se há muito tempo que o dinheiro do tráfico criou centenas de mini-Estados tirânicos nos bairros pobres das grandes cidades, onde a lei é feita e aplicada pelos criminosos.
E onde os traficantes foram despejados impera a ordem das milícias de policiais corruptos, que elegem deputados e vereadores e já ensaiam um vôo mais alto.
Segundo o Globo de hoje, as milícias já dominam 115 bairros do Rio. Que a imprensa chama de comunidades.
A tirania continua a mesma.
Mudam apenas os tiranos.
Em São Paulo, a notícia de que o chefe do maior assalto a banco já praticado no País, Antonio Jussivan dos Santos, havia pago propina três vezes para não ficar preso, revela muito mais do que um novo caso de corrupção.
Revela que a instituição policial precisa de uma reforma tão ou mais profunda do que aquela que a imprensa defende para a política e para o sistema tributário.
Assim como liberta seguidamente um assaltante procurado em todo o País, em troca de dinheiro, essa mesma polícia cobra regularmente propina do comércio para fazer o serviço pelo qual os impostos são pagos.
Trata-se, como se pode concluir, de dupla tributação.
Parte dos 164 milhões roubados do Banco Central em Fortaleza pelo bando de Jussivan tem sido gasta em pagamentos a policiais, que sequestraram vários de seus integrantes e os libertaram mediante resgate em dinheiro.
Alguém poderia dizer que se trata de uma espécie de distribuição de renda, quase institucionalizada pela falta de ação das autoridades.
Se o poder público não pode conter essa prática, talvez seja o caso de incluí-la numa futura reforma.
Como os poderes instituídos não conseguem se entender para reformar a si mesmos, talvez os jornais pudessem ajudar com uma reforma editorial.
Um bom começo seria tirar o noticiário policial dos cadernos metropolitanos e colocá-lo numa área mais nobre, talvez entre a seção de política e o caderno de economia, onde o tema já parece bem instalado.
Rádios comunitárias
As rádios comunitárias foram surgindo espontaneamente pelo Brasil afora e regulamentadas há uma década.
Como as comunidades a que deveriam servir, muitas delas acabam reféns de políticos e outros poderes.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
A lei que regulamenta as rádios comunitárias completou dez anos em 19 de fevereiro último. Não houve muitas comemorações. A edição online do Observatório traz um artigo a respeito do assunto (ver ‘Os 10 anos de uma lei troncha’). Seu autor, o jornalista Dioclécio Luz, mostra que a lei nasceu troncha, mutilada, e na prática inviabiliza as rádios comunitárias, pois impede a publicidade, impede a formação de redes, impede o atendimento à comunidade, estabelece um único canal por município e se remete a uma legislação arcaica, o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962.
Afora os entraves burocráticos e uma regulamentação restritiva, as rádios comunitárias estão sujeitas a toda forma de influência de políticos, com ou sem mandato, como demonstrou a pesquisa ‘Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)’, realizada ano passado por Venício Lima e Cristiano Lopes – a pedido do Instituto Projor, mantenedor deste Observatório.
Tramitam no Congresso Nacional dezenas de propostas de modificação dessa legislação. Uma subcomissão presidida pela deputada Luíza Erundina (PSB-SP) encarregou-se de avaliá-las. O fato concreto é que as emissoras comunitárias de rádio são importante instrumento para a efetiva democratização das comunicações no Brasil.