Renan volta ao palco
Os jornais de hoje evitam apostar que Renan Calheiros será cassado na semana que vem.
O relatório pedindo sua punição foi aprovado ontem na Comissão de Constituição e Justiça do Senado por 17 votos a 3, mas sabe-se que essa votação apenas considerou as condições do processo para ser levado ao plenário.
Mesmo senadores que votaram na comissão a favor da continuação do julgamento já declararam que votarão a favor de Renan no plenário, na semana que vem.
O Estado de S.Paulo lembra que, dos 81 senadores, pelo menos 23 são proprietários de emissoras de rádio ou televisão. Desses 23, 17 colocaram as emissoras em nome de parentes quando foram eleitos.
Renan vai ser julgado sob acusação de haver comprado duas emissoras de rádio em Alagoas em nome do filho e de um assessor e com dinheiro de origem não esclarecida.
Do mesmo pecado de que ele é acusado o Congresso está cheio.
Muitos senadores temem que a cassação de Renan produza uma investigação mais extensa sobre a questão da propriedade de serviços de radiodiufusão, que é proibida a parlamentares.
Ontem, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, senador Marco Maciel, tirou da gaveta um requerimento do senador Eduardo Suplicy pedindo que o Senado se pronuncie oficialmente se parlamentares podem ou não ser donos de emissoras de rádio e TV.
Se cassarem Renan com base na denúncia de que ele comprou irregularmente as emissoras, muitos senadores poderão criar um precedente contra si mesmos.
Com o persistente senador Suplicy como autor do requerimento e tendo o senador Pedro Simon como relator, a consulta certamente vai incomodar muitos parlamentares.
Portanto, dos 81 senadores, Renan pode contar com os votos favoráveis dos 27 que também possuem emissoras, entre os quais se encontram até mesmo senadores do PSDB.
Parece simples e com pouca relação com a ética e a correção na política.
Mas é assim que funciona.
Mais corrupção
O Globo traz hoje na manchete mais um caso de corrupção.
Traz também um caderno especial sobre a chegada da família real portuguesa ao Rio, ocorrida num ensolarado 29 de novembro, dois séculos atrás.
Foi ali que tudo começou.
Segundo o Globo, o novo caso de corrupção, desmontado pelo Ministério Público, provocou um rombo de 1 bilhão de reais nos cofres públicos e chegou a afetar a receita tributária do Estado do Rio em valores que as autoridades ainda não conseguem calcular.
Sabe-se que 20% desse total ia para as mãos de fiscais, que em alguns casos até acertavam o pagamento da propina em dez vezes, no cartão.
O esquema é o de sempre: os fiscais visitavam as empresas, verificavam irregularidades e propunham um acerto para ajeitar as coisas por um custo menor.
A novidade é que a investigação do Ministério Público começou com uma reportagem do próprio o Globo, publicada no ano passado.
O jornal carioca mostrava, na ocasião, que as 150 maiores empresas do Rio sonegavam anualmente 1 bilhão e 200 milhões de reais e que vários fiscais de renda ficavam até 500 dias vasculhando uma mesma empresa, sem apresentar relatório de suas atividades.
A fraude envolvia 78 companhias. Foram emitidos 31 mandados de prisão contra onze fiscais e vinte empresários, contadores e outros acusados. Até o encerramento da reportagem, faltava prender seis deles.
O caso é muito parecido com o chamado propinoduto, descoberto em 2002 e que envolvia Rodrigo Silveirinha, ex-subsecretário de Administração Tributária do então governador Anthony Garotinho. Silveirinha foi condenado a vinte anos de prisão. Recorreu e ganhou a liberdade por decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, em 2004, junto com seus comparsas.
O esquema desmontado ontem pelo Ministério Público era apenas uma continuação, em escala maior e mais sofisticado.
Quando d. João VI desembarcou no Rio, em 29 de novembro de 1807, criou no Brasil duas qualidades de cidadãos: os do lugar e os que vieram com ele da corte portuguesa.
Duzentos anos depois, ainda há os que são seviciados na cadeia por causa de um furto, como a adolescente presa com homens numa cela do Pará, e aqueles que assaltam o Estado e ganham o direito de recorrer em liberdade contra a decisão da Justiça.