Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>República em branco
>>Lula e o modelo Chávez

República em branco

Mais uma data comemorativa da proclamação da República passou em branco pela imprensa.

Nenhum registro especial, nenhum esforço de memória, nenhuma reportagem que relembre ao cidadão-leitor a conquista de 15 de novembro de 1889.

A imprensa do Brasil não gosta de efemérides, não costuma registrar a passagem de datas importantes da cidadania.

Mas vai comemorar no ano que vem os cinquenta anos da conquista da nossa primeira Copa do Mundo de futebol, assim como celebra até com excessos de ufanismo qualquer medalha em disputas de tênis de mesa e outros esportes de menor expressão popular.

As datas festivas não existem apenas para a folga no trabalho, os longos congestionamentas nas estradas e aeroportos lotados.

Assim como os feriados religiosos são oportunidades para a reflexão dos devotos, as efemérides civis servem para pensar a nação como projeto coletivo.

Ao ignorar essas datas, a imprensa não cria essa oportunidade.

Prefere discutir a cidadania no dia-a-dia, no varejo, o que não favorece um olhar mais profundo e de longo prazo sobre os temas importantes.

No começo desta semana, a Fundação Padre Anchieta promoveu o Seminário Internacional de Cidadania, que produziu valiosas reflexões sobre o desenvolvimento das repúblicas latino-americanas.

Os jornais ignoraram o assunto.

Hoje, pequenos registros fazem um mosaico do estado da República no Brasil e na América Latina.

Ficamos sabendo, por exemplo, que o Instituto Latinobarômetro constatou que os latino-americanos estão insatisfeitos com suas democracias, que o apoio à economia de mercado cai na região e que a população quer uma melhor distribuição de renda.

Marta Lagos, diretora do Latinobarômetro, esteve disponível em São Paulo durante o seminário da TV Cultura. A imprensa a ignorou. A notícia sobre a pesquisa que sai hoje nos jornais é uma reprodução de reportagem da revista britânica The Economist.

Pode-se pensar duas coisas a partir dessas observações.

Primeiro, que a imprensa brasileira enxerga melhor o Brasil e a América Latina com o olhar estrangeiro.

Segundo, não dá para escapar da suspeita de que, para a imprensa, a nação só existe quando calça suas chuteiras.

Lula e o modelo Chávez

O Globo traz hoje na primeira página uma manchete e uma nota que se relacionam entre si.

Diz a manchete que 15 milhões de latino-americanos saíram da pobreza em 2006. Brasil, Argentina e Venezuela lideram as mudanças, graças à maior oferta de empregos, redução da natalidade e programas de transferência de renda.

A nota informa que, pela primeira vez, duas pesquisas indicam que Hugo Chávez poderá ser derrotado no plebiscito que propôs para a reforma constitucional.

Os dois fatos se referem ao futuro das democracias na América Latina e remetem a episódios recentes protagonizados pelo polêmico presidente venezuelano.

Dines:

– Os jornais de ontem deram grande destaque ás declarações do presidente Lula em favor do Modelo Chávez de Democracia. Lula chegou mesmo a falar abertamente em terceiro mandato – assunto tabu –  ainda que relacionado com o processo venezuelano. Não foi um lapso, nem deslize como já aconteceu algumas vezes. Foi pronunciamento pensado e até a noite de ontem não desmentido. Ao que tudo indica mudou a estratégia palaciana: a hipótese do terceiro mandato parece que recebeu livre trânsito e poderá ser agora discutida com naturalidade. Isso não significa que será a escolhida para 2010, significa apenas que será tratada sem os constrangimentos anteriores. O ruim da história é que o uso do paradigma Chávez para justificar opções no cenário nacional faz um nivelamento indevido entre os dois regimes. A Venezuela há muito deixou de ser uma democracia representativa, é um estado autoritário com fortes contornos fascistas. O Brasil, ao contrário, tem sólidas instituições republicanas. Falar em terceiro mandato não constitui ameaça à democracia, mas minimizar o que se passa na Venezuela traz de volta muitos fantasmas.