Rumo ao arquivo morto
A corrupção voltou a ocupar as manchetes dos jornais, em parte por conta do relatório da Polícia Federal a respeito do escândalo chamado de “mensalão”, publicado pela revista Época neste final de semana.
De repente, como um tsunami, uma sucessão de reportagens e comentários lembra o cenário de cinco anos atrás, quando não havia outro tema na imprensa.
No entanto, faltaram referências ao maior de todos os escândalos, aquele que representa a ação criminosa de maior envergadura já praticada no Brasil, que deveria ser o caso mais chocante justamente por não se transformar em escândalo.
Trata-se do caso Banestado.
Foi ali que se manifestaram pela primeira vez, de forma sistêmica e organizada, os esquemas de desvio e lavagem de dinheiro em larga escala e grandes volumes, envolvendo quase uma centena de operadores contumazes e um número ainda desconhecido de beneficiários.
Foi também no caso Banestado que se caracterizou a relação entre fraudes financeiras e o sistema eleitoral como parte do negócio político, aceita e praticada de forma generalizada.
O chamado “mensalão”, se provadas suas evidências, seria mais uma dessas operações.
Sem qualquer resultado prático no caso original do Banestado, cuja análise revela a fragilidade do sistema judiciário brasileiro, não há como esperar uma satisfação total à opinião pública como resultado da nova onda em torno do “mensalão”.
O arquivo morto parece ser o destino de todos os processos que ameaçam o cerne do sistema.
O novo relatório da Polícia Federal sobre o “mensalão” serve mais à imprensa do que à Justiça.
A Folha de S.Paulo afirma, nesta segunda-feira, que o material dificilmente será incorporado ao processo que corre no SupremoTritunal Federal.
Se o ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, admitir as novas peças, terá de abrir agenda para as manifestações de todos os réus, o que poderá aumentar as chances de passar o prazo de prescrição e acabar não havendo a punição de ninguém.
Como já alertou o Estado de S.Paulo há uma semana, o crime de formação de quadrilha prescreve em agosto.
Enquanto isso, não se fala em reforma política, nasce mais um partido de conveniência e tudo continua como dantes.
Intolerância e fanatismo
Alberto Dines:
– A imprensa não soube se colocar no caso das duas chacinas promovidas pelos talibans no Afeganistão como represália pela queima de uma exemplar do alcorão num pequeno templo na Flórida. Foram assassinadas vinte pessoas, algumas decapitadas, a maioria composta por funcionários da ONU. No ano passado, pouco antes do 11 de setembro, o alucinado pastor pentecostal Terry Jones fez a primeira tentativa de queimar o alcorão e, diante da fortíssima reação das mais altas autoridades dos EUA, desistiu. Agora, depois de fazer uma enquete na internet sentiu-se legitimado e foi adiante numa cerimônia realizada no dia 20 de março.
A queima do alcorão só chegou ao conhecimento dos talibãs graças ao protesto do governo afegão. A reação mundial às chacinas é de horror, mas a mídia internacional não acompanhou o presidente Barack Obama que além de condenar a barbaridade denunciou de forma contundente a provocação do desatinado Terry jones, fanático militante da extrema direita americana. Ele usa um título de doutor em teologia que nunca obteve, anda com uma pistola calibre 40 e se confessa seguidor de outro fanático, o ator Mel Gibson.
A queima do alcorão não foi um ato religioso, foi um ato de terrorismo político. Há uma clara diferença entre a livre manifestação de idéias e esta afronta ao poder do Estado que já o advertira sobre os perigos de sua pregação. Há muitas semelhanças entre as posições extremadas de Terry jones e os seguidores do Tea Party, um dos quais matou em janeiro seis pessoas no Arizona, e feriu com um tiro na cabeça uma deputada democrata. A grande mídia internacional tem todo o direito de manter posições conservadoras mas não pode ser cúmplice da intolerância e do fanatismo político-religioso que pode incendiar o mundo árabe justamente quando começa a lutar pela democracia.