Samba do ecologista doido
A imprensa brasileira faz intensa cobertura da conferência do clima em Copenhague, que entra nesta terça-feira em sua fase conclusiva, com a chegada prevista dos primeiros chefes de Estado.
E o leitor que tem paciência e interesse para acompanhar tudo que se publica fica com a impressão de que está assistindo uma dessas novelas nas quais o personagem atravessa os capítulos se transmudando de herói em vilão e vice-versa.
Chega-se a dar curso a todo tipo de especulações, entre elas a de que os países ricos não estão nem um pouco preocupados com o aquecimento global porque têm recursos financeiros e tecnológicos para amenizar seus efeitos.
Ou que manobram com a questão climática para dificultar a ascensão dos países em desenvolvimento ao panteão do mundo.
Claramente, a maioria dos jornalistas comparece ao evento sem ter uma agenda definida. Cobre-se tudo que acontece, reportam-se todas as manifestações, especulações ganham espaço entre comunicados oficiais e não se oferece ao leitor uma hierarquia entre as fontes de informação.
Os temas estão misturados.
Uma coisa é a questão financeira, sobre quem vai compor os fundos a serem criados para combater os efeitos das mudanças climáticas.
Outra coisa é a nova correlação de forças, que impõe a presença de países emergentes em cenários que historicamente foram dominados pelos países industrializados.
Os jornais ainda não fizeram um retrato das instituições multilaterais cujo funcionamento vem sendo constantemente criticado por diplomatas e outros representantes oficiais dos países em desenvolvimento.
Cita-se eventualmente a criação de um novo organismo, ou a indicação do Banco Mundial, para cumprir algumas funções da ONU.
Mas o leitor fica sem saber até que ponto a questão climática pode produzir uma alteração profunda no sistema de organização das relações internacionais.
No final do encontro, essa pode ser a principal mudança a ser registrada.
E os leitores de jornais estão perdendo a oportunidade de acompanhar a História ao vivo, enquanto ela se desenvolve.
Alhos e bugalhos
A imprensa ainda não conseguiu separar os temas e oferece-los ao leitor em suas ordens relativas de grandeza.
O noticiário não faz uma diferenciação clara de responsabilidades entre os países que contribuem para as mudanças climáticas através das atividades industriais e aqueles que são culpados por não preservar suas florestas mais recentemente.
Essa questão se encaixa na principal divergência divulgada pela imprensa, relacionada aos conceitos de emissões históricas – pelas quais supostamente os países industrializados deveriam indenizar a humanidade – e à prevenção de emissões futuras, para a qual os países em desenvolvimento demandam financiamento.
Como se os enviados especiais a Copenhague ainda estivessem em Brasília, os jornais abrem colunas para as opiniões dos candidatos à sucessão presidencial, oferecendo condições iguais para contribuições muito diversas.
Entre os prováveis candidatos à presidência da República, apenas a senadora Marina Silva é reconhecida como especialista em questões ambientais.
Os demais repetem frases construídas por seus assessores e cumprem os protocolos de suas candidaturas.
A rigor, não deveriam ter o mesmo tratamento, uma vez que seus compromissos e contribuições são muito desiguais.
Também chama atenção a participação, na cobertura, de jornalistas da área econômica recentemente convertidos à causa ambiental, que passaram toda a carreira defendendo o sistema predador do patrimônio natural e de repente assumem o discurso preservacionista radical.
Menos mal que haja novas vozes a defender a mudança do sistema, mas não se pode ignorar que também a imprensa teve seu papel na construção de uma sociedade consumista, mesquinha e individualista cujos resultados são agora motivo de preocupação para toda a humanidade.
Os chefes de Estado que começam a chegar a Copenhague não podem voltar a seus países sem um compromisso sério de mudança.
A imprensa também deveria se comprometer com seu público a fazer um jornalismo coerente com a nova realidade do mundo.