São Paulo, 454
Os dois principais jornais de São Paulo comemoram, à sua maneira, o aniversário dos 454 anos da cidade.
A Folha de S.Paulo publica dois cadernos especiais, num total de 24 páginas, o segundo deles dedicado inteiramente ao tema do patrimônio arquitetônico da região central.
A melhor contribuição da Folha é justamente a reportagem de capa, que apresenta estudos sobre a qualidade de vida na metrópole promovidos pelo Movimento Nossa São Paulo, criado pelo empresário Oded Grajew, um dos fundadores do Instituto Ethos.
Mas a edição comemorativa da Folha peca pela falta de gente.
No aniversário da cidade, o paulistano virou estatística.
O Estado de S.Paulo produziu um caderno especial de oito páginas, composto basicamente pelos números gigantescos da cidade – 280 salas de cinema, 240 mil lojas, 91 mil ruas – e por depoimentos de moradores mais ou menos ilustres.
A idéia dos editores foi mostrar uma cidade para todos.
A São Paulo dos românticos, a cidade histórica, a cidade das artes, dos esportes, das compras e da baladas.
Só que esses ‘todos’ são poucos e pouco representativos da população.
A São Paulo do Estadão é uma cidade muito pequena.
Vai do Cambuci à Lapa, do Tucuruvi à marginal do Rio Pinheiros.
Para quem não conhece bem a capital paulista, essa é a região chamada de ‘centro expandido’.
O jornal limitou a cidade ao território onde vive a população de renda mais alta, definiu a edição pelo viés do consumo e do bem-estar e esqueceu a periferia.
Nem mesmo aqueles personagens dos bairros mais pobres que, pela música ou pelo esporte, conseguiram furar o cerco da exclusão social, são lembrados no caderno especial sobre a cidade.
Essa estranha seleção talvez seja o melhor retrato de como a imprensa, afinal, enxerga a cidade de São Paulo: muitos ajudam a construir a metrópole, mas poucos são convidados à celebração.
Refém do mercado
A imprensa brasileira é refém do mito da infalibilidade do mercado.
O noticiário recente sobre a crise internacional provocada pela explosão da inadimplência nos Estados Unidos após as especulações com o crédito imobiliário revela que o leitor deve se acautelar com as manchetes.
O Estadão de hoje, por exemplo, informa muito sobre a vulnerabilidade do sistema financeiro ao noticiar a fraude cometida por um operador do maior banco francês, o Société Générale, em plena crise mundial.
O moço conseguiu, sozinho, causar uma perda de quase 5 bilhões de euros.
A relação da imprensa com o mercado financeiro é o tema do comentário de hoje de Alberto Dines:
– Se o cidadão deseja entender o que está se passando no mercado financeiro global seria bom, seria útil que não prestasse muita atenção ao sobe-e-desce das bolsas. Cotações que disparam ou despencam de forma tão alucinada não podem ser consideradas como indicadores de tendências. As fortes oscilações e a volatilidade dos últimos quatro dias não traduzem um quadro definido. São ajustes pontuais, meramente especulativos. O pânico da última 2ª feira foi motivado pelo feriado americano e pela suposição de que no dia seguinte Wall Street produziria uma catástrofe. Já o feriado de hoje em S. Paulo pode provocar em algumas praças certos movimentos que nada têm a ver com a real situação da economia internacional. O tamanho de uma crise só poderá ser avaliado quando a crise já começou. Em momentos como este a mídia desempenha um papel crucial, desde que ela não se deixe levar pela euforia ou pelo alarmismo. Em outras palavras: desde que a midia não seja instrumento do mercado e assuma plenamente a sua função moderadora. Consultores têm interesses, avaliadores de risco têm interesses, autoridades têm interesses, investidores têm interesses. Mas quem cuida do interesse público é a mídia, desde que consiga desvencilhar-se do mercado.