Sarney faz o jogo
Os jornais desta quarta-feira dão extensa cobertura à primeira manifestação do presidente do Senado Federal, José Sarney, no plenário do Congresso, sobre as denúncias de irregularidades que pesam sobre sua gestão.
A melhor imagem está na primeira página do Globo. Sarney aparece em fotografia com as mãos no peito, e a legenda pergunta: “Eu?”
É a própria figura da inocência.
Lembra a anedota do sujeito que, apanhado com um porco do vizinho às costas, responde: “Que é isso? Tirem esse porco daqui!”
Sarney foi apanhado com toda a porcaria administrativa do Senado em suas mãos e reage com indignação, brandindo sua própria biografia como atestado de idoneidade.
Sua frase, registrada pelos jornais, é o registro de um cinismo escatológico: “É uma injustiça do País julgar um homem como eu, com tantos anos de vida pública, com a correção que tenho de vida austera, de família bem composta”, afirmou.
De fato. O Estadão mostra, num quadro, como a família Sarney é bem composta, boa parte dela bem instalada em cargos públicos.
O velho senador exerceu seu direito de espernear, eventualmente dando sinais de uma alienação absoluta, tentando se manter isolado de atos praticados por pessoas sob seu comando e liderança.
Mas os jornais também informam que ele não se restringiu à patética defesa na tribuna. Pouco antes, reuniu sua tropa de choque para distribuir ameaças aos adversários políticos que tencionavam colocá-lo contra a parede.
A pressão funcionou: apesar da reação de Sarney à avalancha de acusações ter sido considerada pífia, a tendência de seus adversários, tanto na oposição como na base governista, foi de buscar uma saída conciliatória.
A palavra-chave foi dada pelo próprio Sarney, ao afirmar, publicamente, que o problema das medidas administrativas secretas não é dele, é de todo o Senado.
Os nobres parlamentares entenderam o recado.
E assim se encaminha nova pizza ao forno das maracutaias.
Agora cabe à imprensa abrir a tampa desse forno e manter a sociedade informada sobre o que se passa lá dentro.
Afinal, 2010 está aí e os eleitores precisam saber como se comportam seus supostos representantes.
Problemas ao sul
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– É mais do que conhecida a animosidade que domina as relações do casal Néstor e Cristina Kirchner com a imprensa argentina. Nos quatro anos em que governou o país vizinho, Néstor Kirchner não concedeu sequer uma entrevista coletiva. Sua mulher Cristina, eleita presidente, mudou esse comportamento premida pela crise política que se instalou à sua volta. Mas passou toda a campanha eleitoral e boa parte do primeiro ano de governo falando apenas para jornalistas escolhidos, nunca em coletivas.
– Menos de duas semanas antes das eleições legislativas convocadas para o próximo 28 de junho, o clima voltou a esquentar. O sempre irascível Néstor Kirchner, agora candidato a deputado, tratou de jogar gasolina na fogueira num ato de campanha realizado anteontem, em Buenos Aires. Ao discursar para uma platéia de 500 intelectuais que o apóiam, acusou o diário Clarín, o maior do país, de “inventar, mentir, manipular a informação e colocar em risco a paz social e a estabilidade institucional da nação”.
Isto porque, na sua edição de domingo, o jornal informou que no governo se cogitava antecipar as eleições presidenciais se os candidatos oficiais saírem derrotados das eleições legislativas. E também porque noticiou as críticas ao governo formuladas por funcionários do Departamento de Estado americano a um grupo de empresários argentinos em visita a Washington.