Lula cava manchetes
A Folha, o Estado de S. Paulo e O Globo deram as manchetes que o presidente cavou. Os dois jornais de economia, Gazeta Mercantil e Valor, nem puseram o assunto na capa.
Na Folha, editorial condena a tentativa de se fazer um ‘conchavão’, que seria lamentável para a democracia, e a colunista Eliane Cantanhêde aponta com lucidez a natureza da manobra presidencial. O Globo e a TV Globo temperaram a fala de Lula com antídotos, principalmente declarações do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sobre a solidez dos fundamentos. No Globo, empresários e economistas fogem do alarmismo, embora reconheçam que, é claro, há vulnerabilidades.
Mas nos três jornais prevaleceu o DNA do jornalismo declaratório.
É bom ver o presidente da República na luta, mesmo que em estilo de campanha eleitoral. Mas será ruim a imprensa se deixar manobrar.
Cautela meritória
O Estadão rebate hoje em editorial, com propriedade, a acusação genérica do presidente de que a imprensa fulmina inocentes. Cada escorregão, como o do Jornal Nacional no caso da lista preparada pelo deputado Rodrigo Maia, é grave. Mas a mídia até aqui se moveu com prudência em toda a crise do ‘mensalão’.
Em Goiás
Como a crise é vivida fora do eixo Brasília-São Paulo-Rio?
A editora executiva do jornal O Popular, de Goiânia, Cileide Alves, fala do leitor que está frustrado e do que julga ter encontrado novas razões para ceticismo.
Cileide:
− A gente percebe no leitor do jornal O Popular dois tipos de comportamento. Tem um leitor que se manifesta extremamente decepcionado com o presidente Lula. Esse é aquele típico eleitor que acreditava muito no PT e no Lula e que agora está frustrado.
No jornal de hoje (ontem, 28/7) até tem uma carta de um leitor de Itumbiara, que fica no Sul do estado, em que ele termina dizendo o seguinte: “Minha consciência está doendo de ter acreditado nesse engodo eleitoral”.
O segundo tipo de leitor do jornal é aquele que não acreditava que o Lula ia ser diferente, porque acha que todos os políticos são iguais. Tem também uma frase muito curiosa, no jornal de hoje (28/7), de um leitor de Rio Verde, no Sudoeste do estado, em que ele diz o seguinte: “No Brasil tudo é simples. Políticos e empresários desviam dinheiro público, recorrem ao hábeas-corpus e não podem ser presos”.
Mauro:
− A entrevista com Cileide Alves, do jornal O Popular, foi feita ontem, quinta-feira.
Jean Charles
Jean Charles de Menezes será enterrado hoje. O Alberto Dines mostra como a mídia se esqueceu de dizer que ele foi vítima de uma situação criada pelo terrorismo.
Dines:
− Acho que vale a pena refletir um pouco sobre a espetacular cobertura do enterro do brasileiro Jean Charles de Menezes em Minas. Ele era inocente, nem sequer suspeito, e mesmo assim foi covardemente assassinado pela polícia inglesa. Mas é uma lástima que a nossa mídia não tenha lembrado que Jean Charles foi mais uma vítima do terrorismo, cujo objetivo principal é matar inocentes. Não fossem os covardes atentados da Al Qaida em Londres, que tiraram a vida de tantos civis ingleses, o emigrante brasileiro não teria sido perseguido nem liquidado pelos agentes de segurança.
Outra reflexão que conviria à opinião pública tem a ver com as emoções patrióticas que envolveram o enterro.
Repare na diferença: na recente chacina de Queimados, no Rio de Janeiro, as dezenas de vítimas foram deliberadamente assassinadas por policiais e não apareceu ninguém, ninguém, para oferecer-lhes uma bandeira nacional na hora do enterro. Serão por acaso menos brasileiros os que morrem aqui assassinados? Por que razão reservam-se os brios patrióticos apenas para os compatriotas inocentes que morrem no exterior? Se não houver tanta bandeira nacional, nem carros do corpo de bombeiros, que se façam protestos contra a omissão das autoridades nesta guerra civil que tem tirado a vida de tantos inocentes.
Desta diferença de tratamento, fica a impressão de que a solidariedade popular só é acionada quando o governo precisa desviar as atenções de alguma grave crise política.
Sarney entra no coro
E na Folha de hoje o ex-presidente José Sarney pega carona na tragédia de Jean Charles para criticar não o terror, ao qual é reservada uma frase de passagem, mas os governos americano e britânico.