Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Tirando leite de pedra
>>Fugindo do debate

Tirando leite de pedra


Os jornais desta quarta-feira tentam fazer render o depoimento da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, ocorrido nesta terça-feira no Senado.


Todos os três jornais de circulação nacional abrem manchete para o depoimento que não produziu qualquer informação adicional, qualquer esclarecimento sobre o caso que a imprensa vem perseguindo há semanas.


Lina Vieira seguiu dizendo que foi recebida pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e que esta lhe teria pedido para agilizar a fiscalização sobre o empresário Fernando Sarney.


Mas não soube explicar o que a ministra pretendia com o pedido nem comprovar que realmente esteve no gabinete da Casa Civil.


O Globo registra toda a decepção da oposição (e da imprensa) com o depoimento: em mini-editorial, o jornal carioca lamenta que Lina Vieira “sequer consegue se lembrar do dia do encontro (…) sequer soube dizer se era manhã ou de tarde quando foi ao Planalto”.


A rigor, portanto, a única notícia que existe é a mesma afirmação, que vem sendo repetida pelos jornais, de que a ministra pediu pressa na fiscalização.


Mas Lina Vieira nunca afirmou, nem procurou saber, para que o governo quereria apressar a fiscalização das atividades do filho de José Sarney ainda antes da eleição para presidente do Senado.


Portanto, não existem fatos que justifiquem a manutenção do tema nas manchetes, a não ser, é claro, que os jornais tencionem manter aquecido artificialmente um assunto que esfria naturalmente por falta de conteúdo.


Sabe-se que José Sarney se candidatou a presidente do Senado, em janeiro deste ano, com a intenção de reagir à perda de espaço político no Maranhão, onde sua filha Roseana havia sido derrotada na eleição para governador e usar o cargo para proteger seu filho Fernando, já naquela ocasião envolvido em investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.


Também convém lembrar que Sarney só se elegeu presidente do Senado porque recebeu o apoio maciço da oposição.


Se a própria oposição contribuiu decisivamente para dar o poder a Sarney, que significado tem a insistência na exploração de uma frase suposta, cujo sentido nem mesmo a ex-secretária da Receita sabe esclarecer?


Às vezes, o noticiário vale mais pelo que não diz do que por aquilo que anuncia.


Fugindo do debate


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– Os empresários de comunicação no Brasil têm um discurso unânime em defesa da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão, contra a censura, em favor da democracia etc, etc, etc. Mas todos têm disposição quase nenhuma para discutir o serviço que prestam à sociedade, os níveis de concentração da propriedade a que chegou a mídia brasileira e os estatutos legais que regulam sua atividade.


Uma pesquisa seminal da Andi (“Mídia e políticas públicas de comunicação”), divulgada em fevereiro de 2007, já mostrava estatísticas reveladoras do descompromisso das empresas jornalísticas em debater, em suas próprias mídias, o papel social que exercem. No caso das empresas de radiodifusão o quadro é ainda mais dramático, por tratar-se de concessões públicas operando como se fossem propriedade particular de seus controladores. Sem mencionar a forte presença de políticos com mandato entre os manda-chuvas de emissoras de rádio e TV.


Uma oportunidade de ouro para o debate dessas e outras tantas questões relativas ao papel da mídia no fortalecimento da democracia está na Conferência Nacional de Comunicação, convocada para dezembro. Mas, outra vez, comportamento arisco do empresariado está contribuindo para solapar o debate. Malgrado os esforços do governo, atores importantes como a Abert e ANJ, e outras quatro entidades empresariais representativas, abandonaram a comissão organizadora da Conferência. Falta saber de que forma participarão do evento, se é que de fato vão querer participar. De todo modo, num ou noutro caso, restará um exemplo muito pouco edificante – mais um – de negação do debate sobre os compromissos das empresas de mídia com a nossa jovem democracia. Uma pena.