Todos chutaram na trave
Os jornais erraram feio na cobertura do referendo na Venezuela.
Mas nenhum deles errou tanto quanto O Estado de S.Paulo.
Todos cravaram em suas edições de hoje que a maioria dos venezuelanos escolheria o ‘sim’ em apoio à reforma constitucional proposta por Hugo Chávez.
Mas tiveram o cuidado de ponderar que se tratava de pesquisa de boca-de-urna, de tendência ainda não confirmada no encerramentos de suas edições.
O Estadão definiu na manchete: ‘Referendo aumenta poderes de Chávez’.
No final, o ‘não’ venceu.
A Folha ressalvou na manchete que se tratava ainda de projeções de pesquisas de boca-de-urna, mas insinuou uma relação entre a disputa na Venezuela e a suposta intenção do presidente Lula de buscar um terceiro mandato.
As reportagens da Folha sobre a pesquisa que havia publicado no domingo, na qual a maioria dos brasileiros consultados havia declarado ser contra um terceiro mandado para o presidente, poderiam induzir o leitor a misturar os dois cenários.
Não há qualquer relação possível entre o referendo proposto por Hugo Chávez em torno de mudanças na Constituição da Venezuela e especulações, já muitas vezes desmentidas, de que o Brasil poderia mudar as regras eleitorais para permitir a reeleição de Lula em 2010.
Ainda antes de os jornais chegarem às bancas, as edições online já informavam que a proposta de Chávez havia sido rejeitada.
Hoje é dia de muita criatividade nas redações, para explicar ao leitor como foi tomada a decisão de apostar num resultado que estava errado.
Quantos institutos de pesquisa previram a vitória do ‘sim’?
Quais eram os números disponíveis quando as edições foram fechadas?
O que fazer com todas aquelas análises prevendo um futuro sombrio para as democracias na América Latina?
As manchetes e algumas páginas de política internacional desta segunda-feira já eram jornal velho quando saíram das impressoras.
Sem audiência
O Brasil foi apresentado ontem ao seu projeto de TV digital. Mas a festa não empolgou ninguém.
Dines:
– Deveria ser um domingo de festa televisiva. Não deu certo: a TV Digital é uma promessa vaga, indefinida e a TV-Brasil é apenas uma Medida Provisória ainda não votada. O governo tinha pressa, o calendário político exigia uma revolução na mídia eletrônica no início de 2008, ano de eleições e definições. A pressa, além de ser inimiga da perfeição, também é inimiga dos debates, prefere imposições. As duas festas foram improvisadas e decepcionantes. Mesmo com o pool montado pelas seis redes da TV comercial, a TV-Digital foi uma sessão nostalgia para lembrar a TV-Tupi combinada com um comício político. Quem está faturando a TV-Digital por enquanto é a mídia impressa, com a farta publicidade dos fabricantes de equipamentos, embora o consumidor desconheça ao certo o que vai comprar – se um receptor de alta definição ou um sistema interativo e participativo. A indicação da diretoria executiva da rede pública, a TV-Brasil, foi bem recebida, mas prejudicada pela escolha de um Conselho Curador composto majoritariamente por curiosos que não são do ramo. Desde o anúncio da rede pública ficou evidente a má-vontade dos grandes grupos privados de mídia, desinteressados em atender a fatia dos telespectadores mais exigentes. Esta má-vontade ficou patente nos últimos dias com a criação de um factóide destinado a prejudicar o lançamento da TV-Brasil. O afastamento das diretoras da antiga TV-Educativa era esperado há meses, mas os jornalões o apresentaram nos últimos dias como evidência de grandes dificuldades antes mesmo do início formal de operações. Trocas de comando são perfeitamente naturais quando empresas mudam de formato e dimensões, as páginas dos cadernos de negócio noticiam todos os dias contratações e dispensas no alto escalão. No caso da TV-Brasil a mídia privada queria forçar um trauma pré-natal. A TV-Digital significa faturamento, todos gostaram. A TV-Brasil significa uma alternativa à iniciativa privada. Ninguém gostou.