Tortura, nunca mais
Os militares fizeram sua manifestação de protesto contra a iniciativa do ministro da Justiça, Tarso Genro, de propor o julgamento de atos de tortura durante o regime militar. E o mundo não caiu.
O noticiário de hoje sobre a reunião no Clube Militar do Rio mostra senhores vestindo ternos e não em uniformes de campanha.
Da mesma forma cautelosa, os participantes evitaram apresentar fotografias e textos sobre autoridades do atual governo que participaram da luta armada.
Com isso, o embrião da crise volta para a geladeira e deve sumir dos jornais por uns tempos.
Mas o fato de o assunto ser colocado de lado não quer dizer que esteja resolvido.
Em parte, porque quase todas as manifestações reproduzidas pela imprensa repetem o erro de afirmar que o ministro pretende revisar a Lei da Anistia.
Não é isso que está em questão.
O que gerou a celeuma é a hipótese de que os crimes comuns, como torturar alguém que não pode se defender, precisam ser levados a julgamento.
Os jornais ofereceram um espaço generoso aos militares que se rebelam contra a possibilidade de punição para os agentes das Forças Armadas e da polícia que torturaram presos durante o período mais tenebroso da repressão à luta armada contra a ditadura.
Mas não esclarecem que muitos brasileiros foram torturados e até mortos pelo simples fato de serem opositores ao regime de exceção, sem nunca terem tocado numa arma.
O jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho, mortos sob tortura em dependências do Doi-CODI, em São Paulo, são símbolos da ação criminosa de agentes a serviço do Estado, praticado contra cidadãos de paz.
Muitos outros brasileiros, inclusive estudantes e trabalhadores que eram jovens demais para serem considerados como uma ameaça ao Estado, foram submetidos a suplícios que a consciência humana não pode admitir.
Não por acaso, a tortura não é considerada crime político por nenhum povo civilizado.
Porque é ato de barbárie praticado por indivíduos covardes, desprovidos de qualificações para serem aceitos como agentes do Estado.
A imprensa poderia estar questionando se as Forças Armadas deveriam ter em seus quadros elementos dessa natureza.
Levá-los a julgamento seria uma forma de enobrecer a instituição.
Sujos e elegíveis
A imprensa está se omitindo da tarefa de esclarecer o que são candidatos com a ficha suja e porque seus registros deveriam ser impedidos.
Se a relação apresentada pelos magistrados, e rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal como impedimento a candidaturas, produz injustiças, os jornais deveriam esclarecer quem é quem nas listas eleitorais.
Alberto Dines:
– Os jornais de ontem, quinta-feira, estavam repletos de notícias e comentários sobre a decisão do Supremo, na véspera, de aceitar candidatos com a ‘ficha suja’, isto é, que ainda não foram condenados ou ainda têm chance de recurso.
A decisão era esperada. Mas a expressão ‘ficha suja’ é preconceituosa e a mídia está abusando dela porque ela é sintética e simplificada.
O público a entende embora seja imprecisa e, por enquanto, injusta. Se pelo entendimento da Suprema Corte o candidato ainda não-condenado é inocente e tem o direito de prosseguir na postulação, a mídia não deveria usar o termo genérico.
Mas o que também chama a atenção no comportamento da mídia é que ela está praticamente de braços cruzados, incapaz de oferecer denúncias substantivas contra candidatos supostamente malfeitores. Se a mídia pretende ajudar a sociedade para evitar que prefeitos e vereadores moralmente desqualificados sejam eleitos em outubro que ela cumpra, pelo menos parcialmente, o seu papel de investigadora ajudando a identificar aqueles sobre os quais pairam desconfianças.
A Associação de Magistrados já ofereceu uma base de dados com todos os suspeitos, agora é preciso saber se esses suspeitos são efetivamente suspeitos, submetê-los a um escrutínio, mantê-los sob pressão. Ao menos nos municípios onde há jornais e rádios independentes do poder político.
Transferir para o Ministério Público toda a responsabilidade de achar as fichas sujas equivale a converter a imprensa num naipe de tambores decorativos e, na melhor das hipóteses, apenas barulhentos.