Três visões sobre a crise
O Globo destaca, em manchete, o acordo realizado em São Paulo entre duas grandes centrais sindicais – a Força Sindical e a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil – e empresas da indústria, comércio e agricultura, para evitar demissões.
A CUT, outra das maiores centrais, segue negociando, mas não quer um acordo do tipo ‘guarda-chuva’. Prefere o acerto setor por setor.
O jornal carioca aplicou um ‘furo’ nos dois concorrentes paulistas.
O Estado de S.Paulo deu atenção ao anúncio de que o governo poderá punir empresas que estão demitindo, embora tenham recebido ajuda dos cofres públicos.
A Folha de S.Paulo apostou no pior: ‘Emprego industrial tem maior queda em cinco anos’, diz a manchete.
Podemos observar aqui três tipos de visão que podem ajudar ou atrapalhar o leitor na compreensão do momento econômico e político.
O Globo remete a solução do problema do emprego para as partes interessadas, ou seja, aponta o caminho do entendimento entre as empresas e as centrais sindicais, sem intervenção do governo.
O Estadão coloca em discussão a questão da reciprocidade: se uma empresa ou setor empresarial recebe ajuda do governo, dos cofres públicos, deve como contrapartida contribuir para reduzir o impacto social negativo da crise.
A Folha se comporta como o chamado ‘beque de fazenda’: chuta a notícia alarmista do jeito que chega, sem propor ao leitor qualquer reflexão mais sofisticada sobre os fatos econômicos.
Os números alardeados pela Folha em manchete são reais, mas seu significado pode ser bem diferente do que o jornal dá a entender.
Os outros grandes jornais também noticiam a redução do emprego industrial, mas observam que os números não são absolutos: os indicadores anunciados pelo IBGE se referem a novembro de 2008, que registrou ainda aumento de emprego em relação ao mesmo mês de 2007.
Os analistas entrevistados pela imprensa observam que a redução da oferta de emprego nas indústrias ‘pode’ ter relação com a crise financeira internacional e citam também as restrições ao crédito e a extrema cautela do empresariado industrial.
A Folha de S.Paulo não mentiu nem alterou os dados do IBGE, que também estão publicados nos outros jornais.
Mas é discutível o serviço que presta ao seu leitor ao destacar em manchete os indicadores negativos sem fazer referência ao contexto em que devem ser analisados.
A imprensa internacional noticia os resultados de uma pesquisa revelando que o brasileiro é um dos povos mais otimistas do mundo com relação à crise.
A Folha parece não estar gostando disso.
Faltam informações
Os debates sobre a profissão de jornalista no Brasil escorregam numa carência fundamental: faltam informações sobre o número de profissionais em atividade ou ligados formalmente a uma empresa.
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– A crise financeira e as tecnologias digitais têm contribuído, e muito, para a diminuição do número de empregos formais entre jornalistas. A superabundância de informação, também – embora, neste caso, o excesso tenha pouco a ver com a qualidade.
Não existem números confiáveis disponíveis sobre o Brasil, mas o exemplo da Espanha pode ser elucidativo. Com um produto interno bruto (PIB) muito próximo ao brasileiro, algo como 1,2 trilhão de dólares, e com pouco menos de um quarto de nossa população, a Espanha tem hoje 3.247 jornalistas desempregados e outros 4.374 procurando emprego. Os dados são do ‘Informe Anual da Profissão Jornalística 2008’, elaborado pela Associação de Imprensa de Madri e divulgado em dezembro passado. Junte-se a esses números uma média de 2.600 novos jornalistas formados a cada ano pelas universidades espanholas.
E o Brasil? Aqui não se conhecem estatísticas precisas sobre o emprego no setor de mídia. Nem a Federação Nacional dos Jornalistas, nem o Ministério do Trabalho, sabem quantos jornalistas existem em atividade no país. O que é certo, porém, é que desde 1938, quando a profissão de jornalista ganhou sua primeira regulamentação, as Delegacias Regionais do Trabalho já expediram mais de 100 mil registros profissionais – o que não quer dizer que todos exerçam a profissão.
De outra parte, de acordo com números de 2007 do Ministério da Educação, havia no Brasil 334 cursos superiores de jornalismo. Suponhamos, numa conta bem modesta, que cada um deles forme 20 jornalistas por ano: isso dá 6.680 novos profissionais a cada 12 meses no mercado de trabalho. Quantos desses estarão efetivamente empregados?