Tropa de elite
Os jornais têm se esforçado para manter no noticiário o caso do adolescente Carlos Rodrigues Júnior, de 15 anos, que foi assassinado por policiais militares, na cidade paulista de Bauru.
A Polícia Científica constatou que Carlos foi torturado dentro de sua própria casa e morreu eletrocutado.
Seu corpo tinha pelo menos trinta ferimentos causados por choques elétricos.
Os detalhes da investigação indicam que os policiais mantiveram na casa, sob a mira de armas, a mãe e a irmã do adolescente, enquanto o torturavam no quarto.
Ele era acusado de haver roubado uma motocicleta.
As reportagens tratam o caso como se fosse um episódio isolado.
Mas sabe-se que os seis agentes acusados tinham pelo menos dez anos de carreira na Polícia Militar. Não devem ter inventado agora a técnica da tortura para obter confissões. Difícil acreditar que seus comandantes sejam tão mal-informados sobre certas práticas da tropa a ponto de se surpreenderem com o episódio.
Carlos Rodrigues Júnior não foi a primeira vítima, mas uma atuação mais empenhada da imprensa pode ajudar a desestimular novos episódios do gênero.
Na mesma cidade de Bauru, um boletim de ocorrência registra outro caso de tortura, desta vez por parte de policiais civis, contra o empreiteiro de construções André Luiz Araújo Costa.
A Folha de S.Paulo conta a história na edição de hoje, ouvindo a vítima e relatando detalhes da brutalidade. As cenas lembram o filme Tropa de Elite, que foi transformado em grande sucesso com a ajuda da imprensa.
A repetição dos casos indica que, ou a tortura virou prática admitida pelo Estado, ou está faltando comando às nossas autoridades.
A Folha procurou o Departamento de Polícia Judiciária do Interior. A repórter foi encaminhada à Corregedoria. Na Corregedoria, foi informada de que só o secretário da Segurança, Ronaldo Marzagão, poderia se pronunciar.
O secretário não se pronunciou. Mandou sua assessoria informar que há um inquérito em andamento, mas não se sabe se é o mesmo caso de Costa.
O construtor continua morando em Bauru. Já recebeu ameaças de morte.
Longe do universo freqüentado por leitores de jornais, os moradores dos bairros pobres sabem que a tortura foi agregada às técnicas policiais há muito tempo.
Novos agentes saem das academias de polícia todos os anos e são contaminados pelas práticas violentas.
Cabe à imprensa exigir uma manifestação oficial do secretário. E um compromisso de que o Estado não admitirá a continuidade desses crimes.
A imprensa e o bispo
Os jornais noticiam com destaque a decisão do Supremo Tribunal Federal, de autorizar o prosseguimento das obras de transposição das águas do rio São Francisco para áreas atingidas pela seca no Nordeste.
Também dão grande espaço para a situação do bispo dom Luiz Cappio, que foi internado após completar 23 dias de greve de fome em protesto contra as obras.
É uma mudança de postura, que Alberto Dines registra em seu comentário de hoje.
Dines:
– A imprensa, afinal, resolveu preocupar-se com o estado de saúde do bispo dom Luiz Cappio, em greve de fome há 23 dias. Mas até o décimo dia, a auto-flagelação que se impôs o religioso não mereceu muita atenção da nossa imprensa. Agora, vai para as primeiras páginas quando os médicos começam a se preocupar com os efeitos do jejum. Esta gangorra entre omissão e badalação é uma das mazelas da nossa mídia e revela o quanto ela é dominada pelo espírito de manada. O Mahatma Gandhi, guru da emancipação indiana nos anos 30 e 40, utilizou inúmeras vezes o recurso da greve de fome para protestar contra o colonialismo inglês, mas raramente chegava ao 21º dia, quando a situação começa a ficar crítica. A repercussão impedia que a mortificação ameaçasse sua vida. Nossa mídia foi insensível, essa é a verdade. Mesmo discordando das opiniões e opções do bispo baiano no tocante às obras de transposição do rio S. Francisco, a mídia não poderia ignorar os riscos que corria, considerando que nesta sua segunda tentativa, a determinação só poderia aumentar. Com tanto anúncio e tanto papel para ser preenchido nesta próspera temporada natalina, é uma lástima que o sentimento de solidariedade da nossa imprensa tenha sido tão pífio.