Um debate pela metade
A imprensa brasileira está preocupada com os rumos da democracia. Em plena disputa eleitoral, quando a racionalidade costuma tirar férias e o bom jornalismo dá lugar à reprodução panfletária de factóides produzidos pelos marqueteiros de campanha, jornais e revistas decidem colocar em debate o regime democrático brasileiro.
Boa oportunidade para discutir também o papel da imprensa na construção desse patrimônio institucional.
A Folha de S.Paulo contribui, na edição desta segunda-feira, com uma entrevista da cientista política Maria Celina D’Araújo, na qual a pesquisadora afirma que a principal deficiência do governo é a falta de controle e de transparência.
O entrevistador tentou levar a conversa para a distribuição de cargos públicos entre pessoas indicadas pelos partidos que compõem o governo, insinuando a necessidade de uma reforma política para coibir essa prática.
A entrevistada jogou um balde de água fria na pergunta, respondendo que isso não tem nada a ver com reforma política, é apenas a necessidade que cada governo tem de buscar uma base de aliados que o ajude a governar.
A “Democracia à brasileira” é o tema do caderno especial do Estado de S.Paulo sobre “Desafios do novo presidente”, que se limita a discutir se o regime brasileiro é sólido o suficiente, assume o pressuposto de que a liberdade de informar está sob ameaça e questiona se os valores democráticos estariam em declínio pelo mundo afora.
Olhando para o próprio umbigo, o Estadão coloca em pauta seus próprios interesses, discutindo o fato de que está proibido de publicar conteúdos da operação policial que tem como suspeito o empresário Fernando Sarney e apontando esse episódio como um mau sinal para a democracia brasileira.
Discutir a democracia e sugerir medidas de aperfeiçoamento do regime é parte do que se espera da imprensa.
Mas em nenhum momento os jornais estendem o debate, propondo, por exemplo, alguma reflexão sobre a concentração da propriedade dos meios de comunicação.
Sob o manto sagrado da liberdade de informar continuam a ocultar-se os interesses dos grupos de poder que a própria imprensa representa.
O jornalismo de cruzada
Alberto Dines:
– A revista Veja desenvolveu ultimamente um tipo de reportagem denuncista apoiada em misteriosos vazamentos, ilações e não em investigações. Optou pelo gênero de jornalismo de cruzada (cruzading journalism), adjetivado, politizado, claramente engajado. Seus críticos sentem-se livres para reciprocar no mesmo tom, desconsiderando liminarmente o teor e a importância do que está sendo publicado.
A mais recente revelação do semanário no último fim-de-semana contem os velhos vícios e o mesmo estilo panfletário dos últimos tempos. Porém, algumas das suas revelações parecem consistentes: Israel Guerra, filho da atual Chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, envolveu-se num esquema de favorecimentos em altas esferas da administração federal, especialmente nos Correios, em troca de “taxas de sucesso” (success fee) através de uma empresa de consultoria que tem o irmão como sócio.
Isto não significa que Erenice Guerra esteja implicada no esquema, embora tenha admitido que poderia ter encontrado os denunciantes-favorecidos em casa de familiares. E o fato da atual ministra-chefe da Casa Civil ser amiga e ex-auxiliar da antecessora, a candidata Dilma Roussef, não justifica sob hipótese alguma a menção do seu nome num ilícito praticado à sua revelia. Veja também errou quando avisou que possuía a gravação dos depoimentos incriminadores mas não os disponibilizou imediatamente em seu site.
Ficou evidente também o acionamento do tradicional pool da grande imprensa: a manchete da Folha neste domingo com desdobramentos das denúncias originais envolvendo além dos Correios, também a ANAC, evidencia que o jornal começou a investigar o assunto pelo menos um dia antes da revista ir para as bancas. A manchete da primeira página no domingo é uma exibição de contorcionismo para implicar a candidata do PT – “Filho do braço direito de Dilma atua como lobista”. Estadão e Globo também tiveram acesso prévio às investigações de Veja mas certamente vão intervir no decorrer da semana.