Um erro fatal
Terminou o recesso parlamentar e tudo que o presidente do Senado, José Sarney, conseguiu até agora foi aumentar a lista de acusações que pesam sobre sua cabeça.
Agora sua permanência no cargo depende apenas das conveniências do PMDB e do jogo maior que se desenha para a disputa eleitoral de 2010.
O alcance das ações pessoais de Sarney ficou reduzido pela quantidade e a gravidade das denúncias, e as mais graves apontam para as atividades de negócios de seu filho Fernando.
A ironia é que José Sarney decidiu de última hora disputar a presidência do Senado justamente para tentar barrar as investigações que avançavam na Polícia Federal e no Ministério Público contra esse filho.
Não, leitor atento e ouvinte ansioso, não há esperança de que Sarney venha a ter seu mandato cassado.
No máximo, o que ele vai sofrer será a contingência de renunciar à presidência do Senado, não sem antes deixar amarrada a indicação de um sucessor que assegure deixar tudo como está.
No universo da política, nada é o que parece.
Não se pode confiar nem mesmo nos mais convincentes desempenhos dos atores que desfilam diante das câmeras recitando os mais acalorados pronunciamentos em favor da ética e dos bons costumes na política.
Como já se disse neste Observatório, política não tem a ver necessariamente com moral, embora devesse honrar a ética.
O que vai definir o destino de Sarney, de fato, é a conveniência de seus pares.
E essa questão não foi determinada pelo peso ou o número das acusações, mas por um movimento desastrado de um de seus muitos bons companheiros do poder, o desembargador federal Dácio Vieira, do Tribunal de Justica do Distrito Federal.
Ao determinar a censura prévia do jornal O Estado de S.Paulo, o magistrado sinalizou até onde José Sarney está disposto a ir para defender seu cargo.
E no ponto a que chegou, de colocar no lixo um dos fundamentos da ordem constitucional estabelecida pela Constituinte de 1988, seus parceiros da política não estão dispostos a pisar.
Afinal, é sob o manto sagrado desse formalismo democrático que sobrevivem todos os vícios da República.
Nele se abrigam os interesses dos políticos e da imprensa, que, no final das contas, sempre acabam se acomodando, a despeito de todos os discursos indignados e de todas as manchetes escandalosas.
Hora de falar
Alberto Dines:
– O novo xerife da liberdade de expressão, o ministro Gilmar Mendes, é também uma das figuras mais falantes da República. Nesta dupla qualificação, está devendo à sociedade brasileira uma imediata e vigorosa manifestação de repúdio à censura prévia imposta pelo desembargador Dácio Vieira ao jornal O Estado de S. Paulo.
Gilmar Mendes é presidente do Supremo Tribunal Federal e também preside o Conselho Nacional de Justiça que hoje empossará os novos conselheiros. O ministro Gilmar Mendes terá assim mais do que um pretexto, mas verdadeira obrigação, de denunciar numa cerimônia pública o retorno do entulho autoritário que ele se dispôs a varrer em duas votações recentes: a extinção integral da Lei de Imprensa e a anulação da especificidade da profissão de jornalista.
O Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, próximo do clã Sarney, não se sentiu impedido nem vexado em ressuscitar a maldita censura prévia e proibir o jornalão paulista de prosseguir na divulgação de informações sobre a operação da Polícia Federal que investiga os negócios dos seus amigos.
Gilmar Mendes tem sido enfático ao colocar a liberdade de expressão como a liberdade maior, a mãe de todas as liberdades. Agora não pode silenciar quando esta liberdade é acintosamente violentada por um censor togado que contraria não apenas a doutrina do chefe do Judiciário como a própria essência do Estado de Direito.
O Estadão vem liderando há meses a série de revelações sobre os escândalos no Senado e não pode ser impedido de exercer os seus deveres. A censura togada tornou-se recurso habitual para calar a imprensa e até mesmo os jornalistas que se insurgem contra ela. Esta aberração precisa ser coibida.
Com a palavra, o ministro Gilmar Mendes.