Os jornais de hoje não deixam transparecer nenhuma surpresa com a rapidez e presteza demonstrada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, em conceder habeas-corpus ao banqueiro Daniel Dantas. O ministro já havia chamado atenção ao reagir espontaneamente contra a operação da Polícia Federal e foi, na lista de personagens entrevistados, o mais enfático na defesa do banqueiro. A imprensa já havia publicado declarações de Daniel Dantas se vangloriando de que não temia decisões do STF. Costumava dizer que respeitava apenas a Polícia Federal. No noticiário sobre a decisão do ministro Gilmar Mendes, os jornais de hoje não se esforçam para proteger a reputação do Supremo Tribunal Federal. O Estado de S.Paulo observa que, no relatório que justifica a soltura de Daniel Dantas e outros diretores do Banco Opportunity, o ministro Gilmar Mendes faz menções à proibição judicial de uso do conteúdo de um computador do banco. O Globo chega a afirmar que Daniel Dantas teria ‘facilidades’ no Supremo Tribunal Federal. É no disco rígido do computador apreendido na sede do Banco Opportunity que a Polícia Federal concentra as investigações sobre crimes contra a ordem econômica que teriam sido praticados pelo grupo comandado por Daniel Dantas. Os dados já trabalhados na investigação permitem traçar o caminho do dinheiro de investidores que era enviado ao exterior e depois retornava em operações fraudulentas para driblar o fisco. Os jornais de hoje apresentam detalhes e o Estadão oferece até um mapa das viagens do dinheiro ilegal. Mas a questão central que fica sem esclarecimento está indicada nas suspeitas de que o banqueiro tem sob sua influência importantes autoridades da República. A missão essencial da imprensa é investigar e esclarecer esse ponto. Se a prisão de Daniel Dantas surpreendeu a sociedade, pela fama de intocável que ele construiu, sua libertação pode colocar sob suspeita instituições básicas da República. Da mesma forma como deixa no ar hoje algumas dúvidas sobre a capacidade do Estado de punir criminosos influentes, a imprensa tem agora a obrigação de esclarecer até onde vai o poder da corrupção. Um homem influente
Sem surpresas
Os jornais não questionam o fato de o presidente do Supremo Tribunal Federal ter aparentemente ignorado que a Polícia Federal documentou a tentativa de Daniel Dantas de subornar um delegado, mas destacam que em sua controversa carreira o banqueiro Daniel Dantas se notabilizou por aliciar autoridades.
Dantas e o Banco Opportunity são personagens de histórias que deram origem à expressão ‘indústria de liminares’.
O Estado de S.Paulo reproduz parte de um relatório do serviço de inteligência da Polícia Federal, anexado ao inquérito, no qual são descritas as práticas que fizeram a fama de Daniel Dantas no setor financeiro.
Segundo o Estadão, Dantas corrompe, faz espionagem empresarial, manipula a mídia e se prevalece de bom relacionamento com autoridades para manter protegida sua organização criminosa.
O relatório citado pelo jornal diz, textualmente, que o inquérito não investiga apenas os negócios do Banco Opportunity, mas também ‘a aproximação com autoridades públicas, lobistas, jornalistas, grandes empresários e pessoas muito bem articuladas’.
Embora os jornais de hoje insistam em apurar as relações do banqueiro com personalidades que pertencem ou pertenceram ao atual governo, citando repetidamente o ex-ministro José Dirceu, também aparecem referências ao fato de que Dantas mantém relações estreitas com autoridades há quas vinte anos.
A Folha de S. Paulo informa que a proximidade com o poder ajudou Daniel Dantas a erguer um império de telecomunicações.
Segundo o jornal paulista, para construir seus negócios, o banqueiro usou, durante quinze anos, capital de parceiros, além de uma vasta rede de conexões políticas tecida ao longo dos governos Follor, Fernando Henrique e Lula.
O jornal afirma ainda que o controveso banqueiro foi estimulado a entrar no ramo de telecomunicações por representantes do PSDB,e chegou a ter entre seus sócios o economista Pérsio Arida, que foi presidente do BNDES e do Banco Central durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
A Folha também cita os nomes de alguns parlamentares que teriam ficado especialmente nervosos com a prisão de Daniel Dantas.
As suspeitas lançadas pela imprensa sobre autoridades e ex-autoridades não podem ficar em suspensão.
O próximo esforço de reportagem dos jornais e das revistas semanais deve incluir uma visita aos seus próprios arquivos.
Boa parte da controversa trajetória de Daniel Dantas foi relatada pela própria imprensa.
Agora é a hora de refrescar a memória do público.
>>Um homem influente
>>Os mesmos de sempre
Os mesmos de sempre
Ouça o comentário de Alberto Dines:
– Os mesmos de sempre: parecem personagens de um interminável seriado. Mudam os montantes dos assaltos, mudam os ambientes e os truques, mas a história é a mesma: lucros fabulosos com operações altamente sofisticadas, sempre ilegais. Os trambiques de Naji Nahas já têm quase duas décadas, Daniel Dantas protagoniza o noticiário dos escândalos há três lustros e o novato Celso Pitta enrosca-se em negócios escusos há quase oito anos. Chamá-los de incorrigíveis e reduzir esta persistência a uma compulsão pela imoralidade é uma forma de minimizar o fenômeno e retirar dele o aspecto sistêmico e institucional. A culpa pela impunidade não é da imprensa, mesmo se quisesse não poderia acompanhar todos os escândalos simultaneamente, há tanto tempo. As sucessivas reprises e repetecos têm causas bem definidas: a lentidão da justiça que leva uma eternidade para dizer quem é inocente e quem é culpado e a fascinação de grupos próximos ao poder pelos ‘gênios’ políticos e financeiros que se infiltram nos gabinetes com idéias mirabolantes. É preciso não esquecer que o mensalão, onde começou o novo capítulo da biografia de Daniel Dantas, foi criado por outro gênio, o lobista Marcos Valério, por sua vez estimulado pelos gênios que pretendiam criar num passe de mágica uma maioria no Congresso. Atrás de cada escândalo há um fraudador brilhante, criativo e um séquito de advogados, executivos e políticos fascinados pela facilidade em embolsar indevidamente grandes quantias. A imprensa só tem uma culpa: a de não conseguir levar a todos os recantos e grotões a bandeira da decência e da probidade.