Um pouco de esquizofrenia
Os jornais costumam oferecer espaços distintos para reportagens sobre a economia em geral e sobre negócios em particular.
No noticiário sobre negócios, o que se lê, há doze meses, é uma sucessão quase ininterrupta de conquistas, balanços positivos, recordes de produção e produtividade e anúncios de grandes investimentos.
Um dos eixos dessa maré de crescimento é o setor siderúrgico, que produziu muitas páginas de notícias nos últimos meses.
Mais recentemente, as manchetes do noticiário sobre negócios giram em torno da disputa pelo controle da operadora de telefonia Vivo.
A espanhola Telefonica vinha há meses fazendo gestões para comprar da Portugal Telecom sua parcela na Vivo.
O governo português entrou na disputa, para impedir que uma empresa de seu país ficasse de fora do prodigioso mercado brasileiro.
Na última semana, os entendimentos se fizeram. A Telefonica fica com a Vivo e a Portugal Telecom segue no Brasil, agora a bordo da OI.
Na Folha de S.Paulo desta sexta-feira, a manchete do caderno “Mercado” anuncia: “Teles devem investir R$ 200 bilhões até 2.018”.
Em três páginas, o jornal informa que o Brasil será o principal destino de investimentos estrangeiros em telecomunicações na próxima década e que o setor ainda está longe da consolidação.
O Estado de S.Paulo noticia, no mesmo dia, que o lucro da Vale subiu 344% no segundo trimestre deste ano e que a gigante dos minérios segue com fome de novos negócios e faz oferta para aquisição da Paranapanema, líder na fabricação de cobre refinado no Brasil.
Apesar de a febre das fusões e aquisições ter arrefecido um pouco após um ano de grandes negócios, os escritórios de advocacia especializada seguem trabalhando em ritmo alucinado.
Por esse motivo, alguns leitores se dizem curiosos com a manchete do jornal Valor Econômico, publicada no dia 26 deste mês.
“Estagnação da economia faz BC rever alta de juros”, dizia o título na primeira página.
O leitor no divã
Relendo os jornais de algumas semanas para cá, pode-se compreender a estranheza dos leitores.
Como, na maioria dos casos, o noticiário dos negócios é motivado pelas próprias empresas, através de suas assessorias de imprensa, a média das reportagens é quase sempre positiva, porque é do interesse das empresas anunciar seus êxitos, seus investimentos e seus planos de futuro.
Existem, evidentemente, os muitos casos em que as informações sobre negócios são colhidas pelos repórteres através de suas fontes e a partir de sua própria argúcia na observação do mercado, mas no geral o noticiário tem sido positivo, mesmo porque a economia está crescendo em ritmo acelerado e os resultados das empresas tendem a ser favoráveis.
Já o noticiário sobre a economia em geral, que deve refletir a complexidade maior e envolver a política econômica do governo e o estado do mundo, exige maior atenção do leitor.
Quando reproduzem reportagens e análises das principais publicações estrangeiras, como a revista britânica The Economist e o diário americano The Wall Street Journal, sobre a economia do Brasil, os jornais brasileiros costumam dar repercussão ao entusiasmo geral com a situação econômica nacional, principalmente quando comparada à situação de alguns países eurupeus.
Mas quando o noticiário é produzido aqui, o entusiasmo é menor.
No caso da manchete que provocou estranheza em alguns observadores, que não concordam com a expressão “estagnação da economia”, o noticiário se refere à controvérsia em torno da decisão do Banco Central de suspender a esperada elevação da taxa básica de juros.
Tudo começou com uma série de especulações na imprensa, que em alguns momentos chegou a um estado de alarme, sobre os riscos da volta da inflação.
O noticiário que se seguiu convenceu muita gente de que o Banco Central iria mudar o viés dos juros durante um período mais longo, como medida preventiva contra a inflação, que poderia ser provocada por um excessivo aquecimento da economia.
Mas o mercado não explodiu, a inflação continuou comportada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central revisou as previsões de alta dos juros e os analistas do apocalipse sairam assobiando.
E o leitor?
Ora, o leitor que vá procurar um psiquiatra.