Um retrato da Amazônia
A reportagem publicada no final de semana pelo Estado de S.Paulo poderia ser usada como tema de uma aula sobre responsabilidade social, assunto que a imprensa costuma ignorar, quando não trata com absoluta superficialidade.
Os repórteres pintam um retrato chocante da região amazônica onde os royalties do petróleo, do gás e dos minérios produzem ainda mais miséria.
Em Coari, no Amazonas, Juruti e Parauapebas, no Pará, empresas cujos relatórios de sustentabilideade brilham de tantas ações generosas são apontadas como responsáveis pela desagregação social e por um dos mais graves casos de exploração sexual de crianças e adolescentes que a imprensa já registrou no País.
Ali atuam a Vale do Rio Doce, a Alcoa e a Petrobrás, empresas cujas ações cintilam nas bolsas de valores e cujos departamentos de marketing vendem a imagem da sustentabilidadee e da responsabilidade social.
Mas a realidade constatada pelos repórteres do Estadão é a do contraste entre o crescimento econômico e o crescimento da violência e da corrupção.
A reportagem deixa claro que, 34 anos depois da abertura da Transamazônica e 25 anos depois do auge do garimpo em Serra Pelada e da construção da hidrelétrica de Tucuruí, o Brasil ainda não foi capaz de produzir uma estratégia de desenvolvimento para a Amazônia que não seja simplesmente mais uma porta para a miséria e a exploração de seus habitantes e de seu patrimônio natural.
Exatamente onde mais jorra o dinheiro dos royalties pagos pelas empresas que extraem petróleo, gás e minérios, os números da exploração sexual de crianças e os índices de qualidade de vida são piores do que os das demais cidades da região.
Os dados apresentados pela reportagem são inquestionáveis: somente em Coari, com a chegada da Petrobrás, o número de mães com até quinze anos de idade subiu de 1,7% para 13,9% do total de partos por ano.
As empresas que exploram as riquezas da região recheiam seus relatórios de sustentabilidade com belas iniciativas e as melhores intenções.
Mas nada como uma boa reportagem para colocar por terra toda propaganda.
Identificando os arapongas
Depois de levar vantagem com a exploração de ‘dossiês’ e a bisbilhotice que campeia no País, parte da imprensa começa a revelar os nomes dos grampeadores.
Alberto Dines:
– A ABIN foi obrigada a fazer serão no último fim de semana. No sábado desmentiu em nota oficial a matéria de capa de IstoÉ que apontava um ex-servidor do SNI como o araponga que teria grampeado os telefones do presidente do STF. Francisco Ambrósio do Nascimento, ex-funcionário da Aeronáutica, está hoje aposentado e segundo a mesma nota não participou de qualquer atividade da ABIN. Tanto a matéria da IstoÉ como o desmentido são muito bem-vindos. Nos últimos anos, a imprensa brasileira acostumou-se a divulgar o teor dos grampos com a maior naturalidade, sem fazer qualquer esforço para identificar o araponga ou vazador (geralmente os mesmos). A imoral cumplicidade fazia-se sob o pretexto de servir ao interesse público. O grampeador comete um ilícito e o vazador, outro e, juntos, mantém a sociedade sob o manto da hipocrisia. O país converteu-se, assim, nesta gigantesca gramposfera simplesmente porque os responsáveis pela mídia partiam do princípio de que a importância da denúncia vazada justificava os meios escusos para obtê-la. Grampos, dossiês e fitas eram publicados sem qualquer investigação ou qualquer esforço para identificar os responsáveis. A mídia funcionava como um ‘pool’, nenhum veículo cobrava do outro. Ao contrário, todos se protegiam pensando na loteria que logo beneficiaria os demais com outros vazamentos. A conversa irrelevante entre o ministro Gilmar Mendes e o senador Demócrito Torres acabou com a cínica justificativa e o grampo apareceu na sua verdadeira dimensão. Durante muito tempo a IstoÉ foi o carro-chefe da ilicitude até que, há exatos dois anos, meteu-se na vergonhosa divulgação do falsificado Dossiê-Vedoin. Agora tenta reabilitar-se. Sua matéria sobre as atividades do grampeador Francisco Ambrósio parece ter sido investigada. Se não é verdadeira, pelo menos inicia a quebra da cortina de silêncio que coloca a mídia como a maior beneficiária do chamado ‘estado policialesco’ em que se transformou o país.