Um texto devastador
Um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vazado para a Folha de S.Paulo na terça-feira, ganha destaque nesta quarta nos outros jornais e provoca o primeiro grande debate em muitos anos sobre o papel da oposição.
O texto integral deverá ser o destaque na próxima edição da revista Interesse Nacional, a ser distribuida nesta quinta-feira e disponível no site da publicação. Mas alguns detalhes antecipados pelos editores, ainda que mal digeridos, permitem entender com algumam clareza as rachaduras no bloco da oposição.
E o que disse o ex-presidente que causa tanto desconforto entre seus pares?
Simplesmente, Fernando Henrique faz uma autocrítica do PSDB e propõe que o partido desista de tentar conquistar o apoio dos mais pobres e procure fundar suas bases na nova classe média, “o que vem sendo chamado sem muita precisão de classe C”.
Na sua opinião, há uma enorme gama de eleitores que se soma a essa nova classe média, que ele chama de “novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), profissionais das atividades contemporâneas ligadas à Tecnologia da Informação e ao entretenimento (…)”.
Fernando Henrique entende que essa parcela da sociedade seria mais sensível ao discurso da oposição do que os mais pobres, ainda fortemente influenciados pela popularidade do ex-presidente Lula da Silva.
Ele vê, nesse propósito, uma forte concorrência na atual presidente, Dilma Rousseff, que apresenta até agora um estilo eventualmente contrastante com o do seu mentor e antecessor.
Na opinião de FHC, Dilma pode concorrer com o PSDB na conquista dessas novas classes médias, que mantiveram certa distância de Lula.
Sua manifestação provocou fortes reações entre outros líderes do principal partido oposicionista, que disputam a precedência de conduzir a aliança contrária ao governo petista.
Tanto José Serra como Geraldo Alckmin e Aécio Neves, candidatos a liderar as oposições, tentam se aproximar do sindicalismo e mantêm um discurso voltado para os mais pobres, estratégia criticada por Fernando Henrique.
Cenário desolador
Nos jornais desta quarta-feira, Aécio Neves aproveita a oportunidade para se colocar alguns passos adiante da concorrência interna.
Embora procurando manter um tom de respeito, o senador mineiro se declarou “mais otimista” que Fernando Henrique Cardoso e criticou, ainda que indiretamente, a proposta de afastar o PSDB do “povão”, como diz a Folha.
Segundo o Globo, as reflexões do ex-presidente incomodaram outros líderes da oposição, que ficaram constrangidos com a interpretação segundo a qual o artigo defende uma posição elitista.
Parlamentares do PSDB e do Democratas tentaram reduzir o impacto de alguns trechos do artigo de Fernando Henrique, insistindo que ele não defendeu um “afastamento do povão”.
No entanto, um dos trechos divulgados, reproduzido pelo Globo, diz claramente: “Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os movimentos sociais ou o povão, ou seja, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos”.
Na opinião do ex-presidente, trata-se de uma disputa sem chance de sucesso para a oposição, porque, segundo ele, o governo cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias”.
As controvérsias são muitas. Até mesmo no que se refere a uma suposta influência do atual governo e do governo de Lula sobre a imprensa.
Entre os cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, ninguém concordou com a tese do sociólogo e ex-presidente, embora o jornal tenha encontrado quem concorde com a interpretação de que o PSDB não tem vocação para mobilizar militantes partidários.
Um dos intelectuais consultados coloca uma questão prática que, segundo ele, foi ignorada na análise de Fernando Henrique: como a oposição vai conquistar essas “novas classes médias” que se tornaram usuárias das redes sociais da internet, “se elas só subiram a esse status graças às políticas do atual governo?”
Nas entrelinhas dos jornais, o artigo do ex-presidente pinta um cenário desolador das oposições.
Numa leitura mais ampla, revela-se que o Brasil precisa mais do que nunca de uma reforma política profunda.
Mas, segundo o Estadão desta quarta-feira, a reforma política em curso será só “perfumaria”.