Um tiro no pé da imprensa
Na semana em que um ministro do Superior Tribunal de Justiça suspende as ações judiciais derivadas da Operação Satiagraha contra o banqueiro Daniel Dantas, e em que a Folha de S.Paulo foi condenada a pagar uma indenização milionária ao juiz Ali Mazloum, da Justiça Federal de São Paulo, fica claro que o esforço da imprensa para se beneficiar de parcerias heterodoxas no Judiciário começa a dar seus frutos.
Mas podem ser frutos amargos para a imprensa, para a Justiça e para a sociedade.
O ministro Arnaldo Esteves Lima, do STF, que suspendeu os atos judiciais contra o banqueiro, se declara surpreso com a repercussão de sua decisão.
Afinal, observa em entrevista, trata-se de medida rotineira, sem conteúdo decisório, que vai valer apenas durante o período de recesso dos tribunais.
Há controvérsias: segundo a Folha, que ouviu magistrados e autoridades que atuaram na investigação, 62 cotistas do fundo Opportunity foram beneficiados com a suspensão das ações, que também abre uma brecha para Daniel Dantas e seus associados pedirem a liberação de contas bancárias e de usufruto de bens que estavam bloqueados por decisão do juiz Fausto Martin De Sanctis.
Em artigo publicado nesta quarta-feira, o jornalista Frederico Vasconcelos, autor das reportagens que envolveram o nome do juiz Ali Mazloum e condenado junto com a Folha ao pagamento de R$ 1,2 milhão como indenização por danos morais, levanta dúvidas sobre a clarividência do autor da sentença.
Segundo Vasconcelos, na ocasião das reportagens, produzidas a partir de 2003, Mazloum teve muitas oportunidades para oferecer sua versão dos fatos, e, antes de pedir a indenização milionária, nunca usou o direito de resposta ou retificação das acusações que lhe eram feitas.
Recorde-se, a propósito, que o direito de resposta desapareceu com a Lei de Imprensa, sob aplausos da imprensa.
O jornal esta recorrendo da condenação e, a menos que tudo esteja virado de pernas para o ar, a decisão deverá ser revista.
No entanto, sobram sinais de que a relação entre a imprensa e a Justiça, envenenada pela estratégia das grandes empresas de jornalismo de influenciar decisões judiciais na base da oferta de vitrines para egos superiores, seguirá produzindo seus frutos indigestos.
Mais uma vez, parece que a imprensa deu um tiro no próprio pé.
O diálogo está aberto
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– O evento não tinha caráter deliberativo, nem foi convocado com essa finalidade. Mas o fato de, pela primeira vez, as políticas de comunicação no Brasil merecerem um espaço institucional de discussão – promovido e apoiado pelo governo federal, e reunindo mais de 1600 delegados democraticamente escolhidos – causou um tremendo mal estar nas principais entidades empresariais representativas da indústria da mídia no país. Noves fora a cobertura enviesada dos veículos jornalísticos mais importantes.
A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), encerrada na quinta-feira passada, em Brasília, contou com apenas duas representações empresariais – a Associação Brasileira de Televisão (ABRA) e a Telebrasil, que reúne empresas de telecomunicações. A Abert (das emissoras de rádio e TV), ANJ (dos jornais) e Aner (das revistas), além dos empresários de internet, TV por assinatura e jornais e revistas do interior, abandonaram, já em agosto, a organização da conferência.
Deveriam se arrepender dessa atitude. Demonstraram, com isso, uma anacrônica aversão ao diálogo. Estiveram, assim, voluntariamente alijados de um processo no qual o diálogo venceu a intolerância, a negociação impôs-se à democracia do grito. Tanto isso é verdade que, logo no segundo dia da conferência, a constatação de uma falha no processo de sistematização das propostas oriundas das conferências estaduais provocou imediata reação dos empresários participantes. Resultado: o impasse foi superado e os trabalhos retomaram seu curso.
E o resultado final das propostas indicou, no mínimo, que o debate público sobre a mídia ganhou um espaço importante com a realização da Confecom. E desse diálogo o empresariado não poderá se abster.