Uma breve autocrítica
Não são comuns os momentos em que a imprensa brasileira atravessa o fluxo de informações com uma reflexão sobre a própria natureza da informação que veicula.
Essa circunstância é ainda mais rara no noticiário econômico, que de maneira geral flui constantemente pelos dutos do liberalismo, sem admitir qualquer desvio conceitual sobre o que os jornais consideram como dogmas.
Pode-se afirmar, sem qualquer dúvida, que esse é o campo no qual a imprensa tradicional demonstra mais vivamente sua ojeriza a discutir sistemas.
Por essa razão, chamam atenção as entrevistas publicadas neste domingo, dia 8, pelo Estadão, no qual se observa, entre outras coisas, que a fé cega, quase fundamentalista, em modelos de mercado supostamente perfeitos e infalíveis ajudou a construir o cenário da crise financeira de 2008, cujas consequências ainda afetam a economia mundial.
No texto principal que apresenta o tema, o jornal paulista afirma que o pensamento econômico virou refém da crise, e introduz no debate a tese de que a macroeconomia precisa ser arejada porque seus modelos matemáticos foram colocados em xeque.
Além de observar que os analistas têm errado ao limitar o estudo sobre o funcionamento geral das eonomias e de seus componentes (desconsiderando, por exemplo, a economia comportamental), o texto levanta dúvida sobre o valor de informações como inflação, Produto Interno Bruto e taxas de consumo e investimento em um modelo que considera perfeitos os mecanismos internos de equilíbrio e controle do mercado financeiro.
Numa visão geral, trata-se de questionar a aplicação de modelos matemáticos absolutos sobre uma realidade dinâmica na qual uma das principais variáveis, o mercado, tem pouca previsibilidade.
Alguns pesquisadores consultados pela reportagem observam que os modelos de simulação matemática acabaram apropriados por uma ideologia que dogmatiza a visão econômica para desautorizar qualquer interferência do Estado.
Acontece que, sem a ajuda do Estado e a regulação dos bancos centrais, o mercado não teria emergido da crise finaceira de 2008, o que contradiz a visão que a imprensa impõe tradicionalmente a seus leitores.
Mas a reflexão proposta pelo Estadão no domingo foi apenas um soluço.
Nesta segunda-feira, o jornalismo econômico volta ao seu eixo conservadoramente liberal.
As crenças que matam
Alberto Dines:
– Tanto a mídia nacional como a internacional ainda patinam desarvoradas nos desdobramentos da morte de Osama bin Laden. As grandes questões permanecem intocadas e a maior delas, mãe e madrasta de todos problemas, é o fanatismo religioso, que não é uma exclusividade islâmica.
O mundo está há algumas décadas dominado por um fundamentalismo clerical que abarca as principais confissões e inflama todos os credos. Quanto mais consciente e racional torna-se a humanidade, mais delírios e irracionalidade provoca. Esta é uma diabólica gangorra que, ao menos, deve ser identificada.
A bandeira da guerra santa empunhada com tanto ódio por Bin Laden passou para muitas mãos, algumas menos manchadas de sangue, mas todas dominadas pela mesma exaltação. O Egito, apontado como paradigma de uma redemocratização pacÌfica, foi cenário na última sexta-feira de um sangrento confronto entre muçulmanos e cristãos coptas em que morreram sete pessoas e cem ficaram feridas.
Ontem, em seu artigo semanal no diário espanhol El País, o Nobel Vargas Llosa denunciou o arcebispo de Lima que está açulando a Opus Dei peruana a ir para as ruas contra o candidato esquerdista, Ollanta Humula. Religião e política produzem um coquetel explosivo que só a mÌdia teria condições de desativar, desde que tivesse coragem de enfrentar os fanatismos religiosos e não se importasse em desagradar parte de sua audiência.
Bin Laden, dizem alguns, jamais deu um tiro, as armas que apareciam nas suas fotos e vÌdeos funcionavam com peças de propaganda. Mas era propaganda guerreira, clamando por massacres. O fanatismo religioso está mais visível no Oriente Médio, mas também está solto na Europa e no Novo Mundo. Ele produziu o 11 de Setembro em Nova York e, agora, o primeiro de Maio no Paquistão.
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Alberto Dines discute Bin Laden e fanatismo, Alberto Dines