Quais são os limites da manipulação da imagem no jornalismo? Num critério aceitável, admite-se que uma fotografia possa ser alterada para compor um infográfico, por exemplo, porque nesse contexto estaria implícito que é apenas uma referência, uma ilustração.
Uma fotomontagem que mostra a cabeça da presidente da República sobre uma bandeja, publicada na coluna de política, como faz o Globo na edição de segunda-feira (29/6), extrapola qualquer limite do bom senso e mostra como os jornais brasileiros se transformaram em grotescos panfletos partidários.
A mídia tradicional do Brasil já teve outros momentos deletérios, como na véspera da eleição presidencial de 2014, quando uma manchete fabricada pela revista Veja ganhou forte repercussão nos principais jornais, e seus efeitos só foram menores pela ação imediata da Justiça Eleitoral.
A fotomontagem publicada pelo Globo revela que não há restrições para a delinquência de jornalistas que se agarram a seus preciosos centímetros de coluna, quando se trata de manipular os fatos em função do projeto de poder em que se engajou a imprensa nos últimos anos. Por outro lado, o episódio revela a distância que separa a estratégia de comunicação do governo petista e a realidade do ambiente comunicacional.
Enquanto o poder Executivo se recusa a colocar na pauta, mesmo em tese, a questão da concentração dos meios informativos, o cartel das empresas hegemônicas distorce de tal maneira as relações institucionais que já não é possível uma análise do conteúdo noticioso e opinativo da imprensa. No entanto, representantes do Planalto seguem propondo um diálogo que já se revelou mais do que improvável.
Em recente encontro com jornalistas em São Paulo, o ministro titular da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Edinho Silva, anunciou que pretende conduzir um “amplo debate” sobre temas centrais que não são contemplados pela mídia massiva. Foi alertado para a inocuidade desse plano, porque a imprensa não quer debater coisa nenhuma.
Na segunda-feira (29), Silva se vê obrigado a enfrentar a denúncia de que teria sido beneficiado por doações ilegais nas campanhas de 2010 e 2014. A acusação é parte dos factoides selecionados pela mídia nas delações de empresário submetido a tratamento coercitivo na carceragem da Operação Lava Jato. O objetivo está explícito na imagem publicada pelo Globo.
Danos colaterais
Transformado em alvo do escândalo, o ministro deve estar se questionando sobre a estratégia de comunicação que imaginou. Pensou estar participando de um jogo com regras definidas, mas acaba de ser apresentado ao fato de que a disputa política não se dá apenas no palco tradicional do Congresso, mas principalmente no gueto reacionário em que se transformaram as principais redações.
Da maneira com vem sendo conduzida, a Operação Lava Jato produz um monstrengo jurídico, pelo qual um grupo de procuradores e policiais federais e um juiz federal de primeira instância determinam uma nova interpretação para a legislação eleitoral. Isso num processo questionável, no qual a suposta verdade é estabelecida pela delação de suspeitos que são privados da liberdade sob a condição de produzir as respostas determinadas pelos inquisidores.
Nesse contexto, todas as doações eleitorais estão sob suspeita, o instituto da doação de pessoas jurídicas passa a ter uma natureza criminosa a priori, e o dinheiro passa a ser carimbado como “legal” ou “ilegal” conforme o candidato ou o partido a que se destinou.
O fato de alguns dos envolvidos na investigação terem um perfil público de militantes radicais contra o atual governo, manifestado em seu ativismo nas redes sociais, é apenas um detalhe do comprometimento dessa operação. Por muito menos, o Supremo Tribunal Federal anulou a Operação Satiagraha, que visava o ex-banqueiro Daniel Dantas e respingava em figuras da política.
Em circunstâncias minimamente funcionais, toda a produção do processo conduzida no Paraná pode acabar esvaziada na Corte Suprema, o que com certeza vai trazer consequências funestas para o sistema da Justiça. Isso porque, até lá, a opinião do público estará contaminada pelo martelar constante do noticiário distorcido.
O ministro Edinho Silva deve estar se dando conta, a esta altura, de que seu partido não enfrenta uma mera “batalha da comunicação”, como disse certa vez a presidente Dilma Rousseff. O que está em curso é uma guerra de extermínio – que será levada adiante pela imprensa, mesmo que os danos colaterais incluam um tantinho de democracia.