A reforma política
A imprensa como um todo viu sinais de uma reforma política incipiente na decisão do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer o princípio da fidelidade partidária e determinar que os mandatos pertencem aos partidos.
Mas a leitura dos jornais, em seus detalhes, indica que a decisão do STF não é garantia suficiente de moralização da vida política.
Voto popular
O que os jornais não dizem é que as melhores possibilidades de uma reforma política real podem estar na criação de uma constituinte exclusiva para isso.
Como a tese de uma assembléia constituinte exclusiva para a reforma política foi lançada pelo PT, ela só vai ganhar manchetes quando obtiver apoios fora do partido.
O Globo é o único jornal que dá destaque ao tema, observando que a proposta pode se tornar viável através de um plebiscito popular.
Para ser levada ao Congresso Nacional, a criação de uma constituinte exclusiva para a reforma política precisaria de 1 milhão e 300 mil assinaturas, que permitiriam a apresentação de um projeto de iniciativa popular.
Como a população anda cansada de notícias deletérias sobre o Parlamento, pode-se contar desde já com uma adesão maciça à tese.
Deitando e rolando
Enquanto isso, a banda comandada por Renan Calheiros faz o que quer para ampliar seus poderes.
O líder do PMDB, Valdir Raupp, comunicou ontem ao plenário do Senado o afastamento dos senadores Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon da Comissão e Constituição e Justiça.
Para seus lugares foram indicados Almeida Lima, o mais fiel escudeiro de Renan, e o carioca Pedro Duque.
Valdir Raupp, o líder partidário a serviço de Renan, explicou simplesmene que Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon eram independentes demais.
Charge para a história
Mas, por mais que faça para manter seus poderes e seu mandato, Renan Calheiros sofreu ontem uma dura derrota.
Mas ela não aconteceu no Senado. Aconteceu na primeira página do Globo.
A charge de Chico Caruso na primeira página do jornal reproduz uma das fotos da jornalista Mônica Veloso para a revista Playboy. Sobre o corpo seminu de Mônica, a cabeça de Renan.
É assim que ele será lembrado para a história.
De fora para dentro
A decisão do Supremo Tribunal Federal, criando nova jurisprudência sobre o mandato político, foi saudada como uma mudança de rumo no Congresso.
Mas a medida, isoladamente, pode não ter efeitos se a sociedade não se mantiver vigilante.
Dines:
– A imprensa não colocou a faca no pescoço do Supremo Tribunal Federal, no entanto, os oito ministros que ontem votaram a favor da fidelidade partidária atenderam à pressão da sociedade pelo fim do indecente troca-troca. É secundário o fato de que salvaram-se 31 deputados infiéis e apenas 15 correm o risco de perder os seus mandatos. O castigo no caso é o menos relevante, o que importa é o início de uma reforma política legítima, imposta de fora para dentro do Congresso, suficientemente forte para acabar com seus antigos vícios e recolocá-lo no caminho da respeitabilidade. Por maiores que sejam os vexames produzidos no Senado pela tropa de choque de Renan Calheiros, por mais revoltante que seja o desprezo de grande parte da Câmara Federal pelo interesse público, ficou ontem evidente que a sociedade brasileira conta com instituições sensíveis às suas exigências de moralidade e democracia. Com uma imprensa vigilante e uma suprema corte independente, o país demarca-se da atual tendência latino-americana para o caudilhismo.
Luciano:
Análises apressadas
A longo desta manhã, blogs e sites noticiosos seguem debatendo a decisão do Supremo Tribunal Federal, que creditou aos partidos políticos a posse dos mandatos eletivos.
No emaranhado de opiniões mais ou menos abalizadas, destaca-se a observação de que, na verdade, o STF não acatou, por maioria, a reclamação do PSDB, do PPS e do partido Democratas, que vêm perdendo parlamentares para a base aliada do governo.
Fugindo do confronto
De fato, o Supremo rejeitou em parte as demandas, mas ao fazê-lo estabeleceu que os mandatos pertencem aos partidos.
Como a votação terminou muito tarde, os jornais tiveram pouco tempo para reportagens mais conclusivas.
O Estado de S.Paulo e o Globo lembram que, em oito anos, o STF julgou duas mil ações contra políticos e cassou 623 mandatos, 215 deles por compra de votos.
Trata-se de um histórico de afirmação de soberania, à revelia do Legislativo, que dá uma idéia da independência alcançada pela corte suprema.
Mas a votação de ontem, cujo resultado não implica necessariamente na cassação de nenhum mandato de parlamentares envolvidos no recente troca-troca de partidos, não condiz com essa tradição.
No final das contas, quem vai decidir se os parlamentares infiéis serão cassados será o Tribunal Superior Eleitoral.
Jeitinho
O fato de que tanto o governo quanto a oposição comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal deveria induzir os jornais a uma análise mais comedida do julgamento.
O STF julgou as demandas da oposição sob o risco de ser desmoralizado por um processo de anistia no Congresso.
A Folha de S.Paulo lembra, hoje, em sua edição eletrônica, que um projeto de lei complementar já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados no dia 14 de agosto.
Diz o texto: “Ficam resguardadas e convalidadas todas as mudanças de filiação partidária constituídas até a data de 30 de setembro de 2007, não incidindo nenhuma restrição de direito ou sanção.”
O Jornal do Brasil saiu com a manchete mais instigante, e talvez a que melhor retrata a decisão: “Jeitinho no Supremo”.