Com a publicação da Portaria da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM/PR Nº 15), em 6 de fevereiro de 2024 (1), houve a abertura de cadastramento para que as emissoras de radiodifusão comunitária se habilitem para a veiculação de patrocínio sob a forma de apoio cultural.
O cadastro é dirigido apenas às associações e fundações detentoras de outorga para prestação do serviço de radiodifusão comunitária, e poderia ser preenchido até o dia 8 de abril de 2024.
A Portaria ainda vincula a efetiva autorização para a veiculação de patrocínio sob a forma de apoio cultural ao atendimento às regras dos editais previstos no art. 32 da Instrução Normativa nº 2, de 14 de setembro de 2023 (2) que estabeleceu a permissão para que os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Comunicação do Governo do Poder Executivo Federal (Sicom) façam apoio cultural. Até o momento não há previsão para a publicação desses editais, que deverão trazer instruções adicionais para as rádios comunitárias, para além do cadastramento que está sendo demandado.
Mobilização das rádios comunitárias e movimentos em rede
Como a sustentabilidade econômica das rádios comunitárias é um desafio permanente, a Portaria foi extremamente bem recebida pelas rádios comunitárias e suas associações representativas.
O presidente da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Abraço Brasil -, Geremias dos Santos, considera essa Portaria “uma vitória maiúscula do movimento” e, ainda, que “valeu a pena a nossa caminhada”, já que “toda a verba sempre foi para a grande mídia e agora poderemos dar um fôlego para as nossas emissoras” (3). “Não é proibido que rádio comunitária receba apoio cultural. Muito pelo contrário, a lei trata disso”, declarou à Agência Brasil (4). A matéria ressalta ainda que “a Secom também prepara um edital e um convênio com o Ministério da Cultura para permitir que rádios comunitárias recebam recursos para divulgar localmente ações culturais vinculadas à Lei Aldir Blanc”.
Fomento ao setor
Existe uma grande expectativa em relação ao reaquecimento do setor e de uma perspectiva de sustentabilidade em torno do apoio cultural mediante a utilização da verba governamental. Apesar da importância da atitude da SECOM, é preciso ter em mente a necessidade de atualização da Lei 9.612/98.
O artigo 18 da Lei nº. 9.612/98 aponta que as prestadoras do Serviço de Radiodifusão Comunitária só podem admitir patrocínio, sob a forma de apoio cultural, para os programas a serem transmitidos, desde que restritos aos estabelecimentos situados na área da comunidade atendida, sendo vedada a transmissão de propaganda ou publicidade comercial a qualquer título. Diante dessa disposição, a Portaria SECOM/PR Nº 15 em seu art.5, parágrafo único, exige, como condição para a obtenção de apoio cultural que exista, pelo menos, uma unidade de representação de órgão da administração direta, de administração indireta do Poder Executivo Federal ou Unidade do Sistema Único de Saúde (SUS), localizada na região coberta pela emissora.
Tal necessidade para acessar a verba oficial pode ser uma severa restrição para muitas rádios comunitárias. De acordo com o art. 1º, § 2º, da Lei 9.612/1998, entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila. E, mais especificamente, o Decreto 2.615/1998, em seu art. 6º, estabelece que “A cobertura restrita de uma emissora do RadCom é a área limitada por um raio igual ou inferior a mil metros a partir da antena transmissora, destinada ao atendimento de determinada comunidade de um bairro, uma vila ou uma localidade de pequeno porte”.
Esse reduzidíssimo limite de raio de um quilômetro de alcance pode fazer com que centenas de rádios comunitárias não consigam fazer o seu cadastramento e, consequentemente, restarão excluídas da possibilidade de acesso ao apoio cultural, principalmente em ambientes rurais e territórios indígenas.
Outros pontos relevantes para a análise da futura efetividade do apoio cultural pelas entidades de direito público podem decorrer das respostas a algumas indagações que aqui são trazidas: Qual será o montante do orçamento destinado a esses patrocínios? Qual porcentagem em relação à verba governamental para publicidade? Os Estados e municípios poderão seguir a mesma normatização para efetuar o apoio cultural? Quais critérios serão levados em conta na distribuição dos apoios culturais para as rádios (região, programação, tempo de existência)? Como será a contrapartida e a fiscalização de sua aplicação? Se a referência é a IN 2/2023 da SECOM/PR, quais órgãos governamentais necessitam estar localizados na região coberta pela emissora?
De toda forma, para além do acompanhamento da destinação de apoio cultural, não perde importância a continuidade da reivindicação para a formatação de um fundo público para as rádios comunitárias, com uma percentagem regular de financiamento que permita a observância de critérios de igualdade, diversidade e continuidade na contemplação dos recursos, com regras de transparência para evitar quaisquer possibilidades de favorecimentos ou perseguições.
A 3º Plenária Nacional das Rádios Comunitárias, que acontecerá em Brasília, de 21 a 23 de maio de 2024, deve estar atenta e pressionar por transformações mais consistentes na regulamentação, apesar do aceno positivo trazido no avanço concreto do fomento de apoio cultural por entidades públicas.
Referências
1 – Portaria SECOM/PR Nº 15, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2024. Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-secom/pr-n-15-de-6-de-fevereiro-de-2024-541948642. Acesso em 19/02/2024.
2 – Instrução Normativa SECOM 2/2023. Disponível em https://www.gov.br/secom/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/INSTRUCAO_NORMATIVA_SECOM_N__2__DE_14_DE_SETEMBRO_DE_2023___INSTRUCAO_NORMATIVA_SECOM_N__2__DE_14_DE_SETEMBRO_DE_2023___DOU___Imprensa_Nacional.pdf. Acesso em 19/02/2024.
3 – Rádios comunitárias poderão veicular patrocínios sob forma de apoio cultural. Disponível em https://www.abracors.org.br/2024/02/07/radios-comunitarias-poderao-veicular-patrocinios-sob-forma-de-apoio-cultural/. Acesso em 19/02/2024.
4 – Rádios comunitárias poderão veicular patrocínio do governo. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-02/radios-comunitarias-poderao-veicular-patrocinio-do-governo. Acesso em 19/02/2024.
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Adilson Cabral é publicitário, doutor em Comunicação Social, professor e pesquisador de Políticas de Comunicação e Comunicação Comunitária.
Tatiana Stroppa é advogada, doutora em Direito, professora e pesquisadora das liberdades comunicativas. São, respectivamente, vice-coordenador e coordenadora do GT Políticas e Governança da Comunicação da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica).