Desde que comecei a trabalhar em jornalismo científico, em 1987 (mesma década em que a primeira tese na área foi defendida no Brasil nessa área, a de Wilson Bueno), tenho ouvido em eventos que reúnem jornalistas e cientistas algumas afirmações reiteradas como: os brasileiros não se interessam por temas de ciência, jornalistas não cobrem temas de ciência, os meios de comunicação não dão espaço para temas de ciência, cientistas não gostam de falar com jornalistas nem de fazer divulgação científica…
Comecei a perguntar se isso era fato. As respostas em geral são evasivas ou se referem a anedotas.
Preocupada com a qualidade do jornalismo científico, decidi fazer mestrado e doutorado. E entrei no mundo acadêmico dessa área do conhecimento emergente, que possui uma característica singular: a prática e a pesquisa podem se ajudar mutuamente. Sem entender o mundo real do jornalismo científico, um pesquisador na área pode simplesmente tomar o bonde errado e tirar conclusões distanciadas da realidade do profissional de redação. No entanto, evidências científicas podem ajudar a entender melhor a cobertura jornalística de ciência e contribuir para sua melhoria.
Por exemplo, pensando naquelas frases que mencionei no primeiro parágrafo. Estudos que temos feitos ao longo dos últimos 15 anos mostram que, sim, há um interesse expresso por brasileir@s pela ciência e tecnologia (C&T) (CGEE, 2019). É correto que tal interesse expresso não se traduz na mesma proporção em um consumo de informações de C&T e de visita a espaços e eventos em C&T, mas, no mínimo, expressa a percepção social dada à área.
Também precisam ser vistas com cuidado afirmações como jornalistas não cobrem temas de ciência e os meios de comunicação não dão espaço para temas de ciência. Nossos estudos mostraram que em alguma medida a ciência é, sim, tema de matérias de jornais e de TV, mesmo em programas de índices altos de audiências e que não possuem editorias de ciência em jornalistas especializados na área (ver, por exemplo, Massarani, Polino e Massarani, 2012; Medeiros e Massarani, 2013).
Estudos realizados pelo nosso grupo também colocam em xeque a afirmação de que cientistas não gostam de falar com jornalistas nem de fazer divulgação científica (Massarani e Peter, 2016; Rocha, Massarani e Peters, 2018).
Além disso, outras questões importantes surgem. Por exemplo, nossos estudos têm mostrado uma cobertura inapropriada nas questões de gênero. Embora o Brasil seja um dos poucos países do mundo que possui equilíbrio de gênero na ciência – ainda que não em todas áreas do conhecimento e menos em posições de tomada de decisão –, nos meios de comunicação de massa a imagem mais recorrente d@s cientistas é de homens, brancos e mais velhos. E, pior, é veiculado um papel estereotipado do homem e da mulher cientistas: enquanto os homens saem para literalmente explorar outros mundos, as mulheres cuidam da saúde e do corpo (ver, por exemplo, Castelfranchi, Massarani e Ramalho, 2014; Massarani, Castelfranchi e Pedreira, 2019).
Resultados de nossos estudos têm mudado a minha prática como jornalista. Por exemplo, quando estou com meu chapéu de jornalista e vou selecionar quem vou entrevistar, busco fazer um equilíbrio entre homens e mulheres, de faixas etárias distintas, provenientes de distintas etnias, instituições e partes do Brasil (ou do mundo). Fico atenta também às imagens: as fotos, as ilustrações e os vídeos representam a diversidade da ciência? Atividades feitas pel@s cientistas são estereotipadas, por exemplo, a mulher sempre com uma panela na mão?
Outro exemplo de como a pesquisa nos ajudou a tomar decisões no desenho de uma iniciativa prática de divulgação científica se deu no contexto da pandemia, quando criamos COVID-19 DivulgAÇÃO Científica, do Instituto Nacional de Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia e do CNPq. Em um estudo que fizemos sobre o que os jovens pensam da ciência e tecnologia, observamos que o YouTube é a segunda principal fonte de informações em ciência, seguido pelo Facebook (Massarani et al, 2019). Mas eles próprios afirmam que as redes sociais, inclusive o Facebook, são fontes principais de fake news. Com base nisso, optamos por dar ênfase em conteúdos veiculados no YouTube e redes sociais, bem como dedicar materiais relacionados a fake news (visitem nossos canais em <https://instabio.cc/COVID19DC>).
Mais do que contestar afirmações evasivas, o objetivo de nossos estudos em jornalismo científico é entender melhor a complexidade em que se inserem as relações entre cientistas, jornalistas e públicos.
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Luisa Massarani é jornalista especializada em ciência que atua no campo desde 1987. Coordena SciDev.Net América Latina, um site dedicado a notícias sobre ciência e desenvolvimento nos países em desenvolvimento. Coordena também o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia e o Mestrado em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz.