Tudo começou em 2018, no ingresso da Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Duas pessoas com sonhos robustos se encontraram e começaram a mexer nas estruturas: a estudante e bióloga Joselí dos Santos e a também bióloga Hilda Gomes, que viria a ser a orientadora. A parceria deu tão certo que ganhou o noticiário nacional, quando o produto de conclusão de curso começou a ser divulgado em diversos números de WhatsApp, redes sociais e sites. O trabalho “Cientistas Negras: Uma Proposta de Calendário de Divulgação Científica”, finalizado em 2019, tinha como objetivo produzir um protótipo de calendário que desse destaque a mulheres negras e a eventos científicos, buscando dialogar sobre aspectos históricos e antropológicos na construção e no desenvolvimento da ciência.
O material viralizou e, juntas, orientanda e orientadora foram convidadas para entrevistas. Uma delas foi para a Globo News, outra para um jornal da UFRJ, uma terceira para o Impa e não parou por aí. Diante da repercussão, muitos docentes e professores da educação básica entraram em contato solicitando um material físico. A Fiocruz se sensibilizou e patrocinou a produção do calendário de mesa, distribuído gratuitamente. O retorno das pessoas que receberam se tornou inviável devido à pandemia e, consequentemente, à suspensão das aulas presenciais. A avaliação sobre a utilização do produto de divulgação científica em sala de aula permanece um desejo para um momento futuro.
Os frutos dessa pesquisa podem até mesmo ser vistos dentro da instituição. No Museu da Vida, espaço de divulgação e popularização da ciência da Fiocruz, foi criado o quadro #CientistasNegras nas redes sociais. Partindo da divulgação das cientistas do calendário, a seção ganhou mais vida ainda quando as jornalistas do Museu decidiram entrar em contato com outras pesquisadoras negras, criando uma coluna fixa às segundas. Desde então, as #CientistasNegras são o conteúdo com maior engajamento nas redes do Museu em 2020, conquistando muitos comentários e compartilhamentos. Nomes como Luiza Bairros, Marielle Franco, Jaqueline Goes de Jesus, Lorrayne Isidoro e Zélia Profeta já tiveram seus trabalhos divulgados. A ideia é mostrar a ciência feita por pessoas em diversos campos científicos, apostando em mulheres que publicam artigos, ensinam, realizam pesquisas para aprimorar a prática e constroem redes de conhecimento.
A proposta de ter um calendário como estratégia de divulgação e popularização da ciência, tendo o recorte de gênero e raça como escolha epistemológica e política, se mostrou potente. Dar visibilidade e valorizar as mulheres negras como cientistas atuantes no campo das Ciências Exatas, Humanas e Biomédicas é fundamental. A repercussão positiva na mídia e a viralização nas redes sociais estimularam o olhar sobre a representatividade da ciência, apresentando outras narrativas, personagens e tecendo discussões sobre invisibilidade e desigualdades sociais que afetam a população negra.
Todo conhecimento científico sugere o reencontro da ciência com o senso comum, de modo a resgatar os aspectos positivos dos saberes cotidianos para projetos de emancipação social e cultural. Esse resgate é fundamental para fortalecer autoestima, valorização de expertises e produção acadêmica, além de possibilitar a construção de laços de identidade com meninas negras que podem sonhar e agir na tessitura de seus futuros. É urgente que a sociedade reconheça que o esforço individual não é suficiente quando os pontos de partida são muito diferentes. O cenário nacional e internacional atual se mostra hostil com relação às pautas em defesa dos direitos humanos. Por isso, são importantes as ações que provoquem o público para um debate que priorize o respeito às diferenças como um elemento vital para a manutenção da vida. Esta percepção pode revitalizar uma proposta de educação emancipatória que busca, a partir das relações vividas no cotidiano, a autonomia, o pensamento crítico, a organização de argumentação e o empoderamento.
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Joselí dos Santos é bióloga, professora e pesquisadora.
Hilda Gomes é bióloga, educadora e coordenadora da Seção de Formação do Museu da Vida
Renata Fontanetto é jornalista e coordenadora do Núcleo de Mídias do Museu da Vida
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O curso de Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência da Fiocruz é uma parceria com o Jardim Botânico, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Casa da Ciência e Fundação Cecierj.
As autoras escreveram o texto a convite da RedeComCiência.