Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como um produto de divulgação científica e cultural ensina sobre práticas antirracistas

Tudo começou em 2018, no ingresso da Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Duas pessoas com sonhos robustos se encontraram e começaram a mexer nas estruturas: a estudante e bióloga Joselí dos Santos e a também bióloga Hilda Gomes, que viria a ser a orientadora. A parceria deu tão certo que ganhou o noticiário nacional, quando o produto de conclusão de curso começou a ser divulgado em diversos números de WhatsApp, redes sociais e sites. O trabalho “Cientistas Negras: Uma Proposta de Calendário de Divulgação Científica”, finalizado em 2019, tinha como objetivo produzir um protótipo de calendário que desse destaque a mulheres negras e a eventos científicos, buscando dialogar sobre aspectos históricos e antropológicos na construção e no desenvolvimento da ciência.

O material viralizou e, juntas, orientanda e orientadora foram convidadas para entrevistas. Uma delas foi para a Globo News, outra para um jornal da UFRJ, uma terceira para o Impa e não parou por aí. Diante da repercussão, muitos docentes e professores da educação básica entraram em contato solicitando um material físico. A Fiocruz se sensibilizou e patrocinou a produção do calendário de mesa, distribuído gratuitamente. O retorno das pessoas que receberam se tornou inviável devido à pandemia e, consequentemente, à suspensão das aulas presenciais. A avaliação sobre a utilização do produto de divulgação científica em sala de aula permanece um desejo para um momento futuro.

Foto: Unsplash/Creative Commons

Os frutos dessa pesquisa podem até mesmo ser vistos dentro da instituição. No Museu da Vida, espaço de divulgação e popularização da ciência da Fiocruz, foi criado o quadro #CientistasNegras nas redes sociais. Partindo da divulgação das cientistas do calendário, a seção ganhou mais vida ainda quando as jornalistas do Museu decidiram entrar em contato com outras pesquisadoras negras, criando uma coluna fixa às segundas. Desde então, as #CientistasNegras são o conteúdo com maior engajamento nas redes do Museu em 2020, conquistando muitos comentários e compartilhamentos. Nomes como Luiza Bairros, Marielle Franco, Jaqueline Goes de Jesus, Lorrayne Isidoro e Zélia Profeta já tiveram seus trabalhos divulgados. A ideia é mostrar a ciência feita por pessoas em diversos campos científicos, apostando em mulheres que publicam artigos, ensinam, realizam pesquisas para aprimorar a prática e constroem redes de conhecimento.

A proposta de ter um calendário como estratégia de divulgação e popularização da ciência, tendo o recorte de gênero e raça como escolha epistemológica e política, se mostrou potente. Dar visibilidade e valorizar as mulheres negras como cientistas atuantes no campo das Ciências Exatas, Humanas e Biomédicas é fundamental. A repercussão positiva na mídia e a viralização nas redes sociais estimularam o olhar sobre a representatividade da ciência, apresentando outras narrativas, personagens e tecendo discussões sobre invisibilidade e desigualdades sociais que afetam a população negra.

Todo conhecimento científico sugere o reencontro da ciência com o senso comum, de modo a resgatar os aspectos positivos dos saberes cotidianos para projetos de emancipação social e cultural. Esse resgate é fundamental para fortalecer autoestima, valorização de expertises e produção acadêmica, além de possibilitar a construção de laços de identidade com meninas negras que podem sonhar e agir na tessitura de seus futuros. É urgente que a sociedade reconheça que o esforço individual não é suficiente quando os pontos de partida são muito diferentes. O cenário nacional e internacional atual se mostra hostil com relação às pautas em defesa dos direitos humanos. Por isso, são importantes as ações que provoquem o público para um debate que priorize o respeito às diferenças como um elemento vital para a manutenção da vida. Esta percepção pode revitalizar uma proposta de educação emancipatória que busca, a partir das relações vividas no cotidiano, a autonomia, o pensamento crítico, a organização de argumentação e o empoderamento.

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Joselí dos Santos é bióloga, professora e pesquisadora.
Hilda Gomes é bióloga, educadora e coordenadora da Seção de Formação do Museu da Vida
Renata Fontanetto é jornalista e coordenadora do Núcleo de Mídias do Museu da Vida

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O curso de Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência da Fiocruz é uma parceria com o Jardim Botânico, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Casa da Ciência e Fundação Cecierj.

As autoras escreveram o texto a convite da RedeComCiência.