Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os jornalismos necessários em tempos de crise climática

(Foto: edith lüthi por Pixabay)

As recentes inundações que afetaram o Rio Grande do Sul entre o fim de abril e o início de maio de 2024 são um lembrete da vulnerabilidade das comunidades e do Estado frente a eventos climáticos extremos. Mais de 450 cidades foram impactadas, e mais de 2 milhões de pessoas sentiram (e continuam sentindo) os efeitos das chuvas intensas em algum nível, revelando a importância da mobilização de todos os recursos disponíveis para uma comunicação social mais eficiente, crítica e proativa. Nesse cenário, destaca-se a necessidade de um jornalismo focado em ciências – em especial no meio ambiente – em dados e em soluções, que, ao mesmo tempo que informam, levam à conscientização e à capacitação das comunidades para lidar melhor com as crises. Esse cenário demanda os novos jornalismos (velho jornalismo).

Em tempos de emergência climática, a transmissão de informações confiáveis é uma força motriz para decisões qualificadas junto à população e por pessoas em posição de autoridade, como os gestores públicos. Veículos de comunicação locais, em um Estado que tem centenas de pequenas cidades, têm o dever de disseminar informações baseadas no consenso científico. Desinformação, informações imprecisas ou não checadas podem resultar em decisões que podem exacerbar situações já críticas. Nesse sentido, investir em um jornalismo que priorize as ciências e o meio ambiente é essencial, antes (principalmente) e durante a cobertura de eventos que tenham relação com o clima, ou com o meio ambiente. É bem sabido que isso contribui para uma leitura pública mais precisa dos eventos para melhores práticas para mitigação e resposta (1, 2).

Durante as inundações, deslizamentos e suas consequências no Rio Grande do Sul, as emissoras de rádio locais forneceram exemplos de bom jornalismo e emergiram como a principal fonte de informação na região do Vale do Taquari diante da vulnerabilidade de infraestrutura enfrentada por outros meios de comunicação. No período, jornais, como o centenário Correio do Povo, tiveram suas redações e parques gráficos atingidos pelas enchentes.

Nesse cenário em que muitos municípios estavam sem eletricidade e a conexão de internet tornou-se precária ou inexistente devido aos danos causados pelas intempéries, o rádio como meio de comunicação e os comunicadores em rádios locais e comunitárias demonstraram seu papel essencial na divulgação e no alcance das informações. Primeiro, por permanecerem no ar disponibilizando em sua programação espaço a técnicos, cientistas e especialistas e demais fontes confiáveis na veiculação de notícias à população. O alcance de áreas remotas por frequências de rádios em locais em que outras formas de comunicação estavam ausentes foi determinante para a rápida divulgação de informações, necessárias para a tomada de decisões por agentes públicos e pela população na proteção de vidas. Esses esforços se somaram aos das emissoras que também forneceram atualizações em tempo real sobre o avanço das águas, cotas de inundação, condições das estradas, pontos de refúgio e, dramaticamente, no ar e fora dele, coordenaram pedidos de resgate e doações de suprimentos.

No período, também ficou clara a necessidade de uma cobertura crítica que questione os problemas de infraestrutura, de previsão e de respostas pelas autoridades. É papel dos veículos de comunicação locais ecoar essas preocupações, pressionando por respostas e ações concretas e os jornalismos que são defendidos neste texto podem ser saídas. A crítica não deve ser apenas reativa, mas também proativa, pautando as grandes problemáticas globais em seus desdobramentos locais. Nesse sentido, urge a responsabilidade da mídia e da comunicação em informar com foco permanente nas mudanças climáticas, no impacto das ações humanas na preponderância da sua influência na exacerbação desses impactos e suas consequências.

Isso é enfaticamente importante em áreas vulneráveis, onde a repetição de desastres vem se mostrando uma realidade – como no Rio Grande do Sul. Com um jornalismo que se concentra em dados, evidências e em soluções em uma atuação crítica, não há espaço para generalizações desqualificadas. As comunidades que são interagentes nessa comunicação podem construir um repertório de respostas eficazes, melhorando suas estratégias de mitigação e adaptação a partir das notícias.

Para que os riscos relacionados ao clima sejam reconhecidos pelas audiências e se revertam em reação, o jornalismo e a comunicação precisam entrar em ação, de forma a considerar os mesmos na definição da agenda pública e seus papéis de intermediários (ou de mediação) entre a ciência, a política, e os cidadãos (3). Dessa forma, o jornalismo e suas especializações, como o jornalismo científico, o jornalismo ambiental, o jornalismo de dados e o jornalismo de soluções têm um papel primordial em situações de crise e emergência climática. Ao mesmo tempo, que vemos a editoria de ciência nas redações encolhendo – e mesmo desaparecendo – percebemos o desafio dos editores dessas mesmas redações em: melhorar a cobertura, com mais qualidade, ciência e foco em meio ambiente. Também o investimento em jornalismo local focado em ciência e meio ambiente de forma a garantir que as comunidades tenham acesso às informações necessárias para se proteger e se preparar para futuros eventos climáticos é premente – isso corrobora com uma estratégia de educação contínua que inclui práticas mais sustentáveis e discute a importância da conservação ambiental a partir da reflexão sobre os impactos humanos nesse processo.

Após os eventos, restam muitas questões. Uma delas é o desenvolvimento da cultura da resiliência nas comunidades, com ênfase naquelas que estão em situação de vulnerabilidade – especialmente a territorial e geográfica. Para desenvolver uma cultura de resiliência, as comunidades precisam ser bem-informadas e preparadas. O jornalismo tem um papel importante nessa discussão. A partir de um jornalismo local e conectado às comunidades, a comunicação social pode contribuir com a compreensão dos riscos associados às mudanças climáticas e aos passos necessários para sua mitigação. Nesse processo, os novos jornalismos (velho jornalismo), seus diferentes meios de publicação, estratégias, especialidades e formas, são essenciais na garantia dos direitos de todos e na cidadania.

Notas

1. Jacqui Ewart and Hamish McLean. Best practice approaches for reporting disasters. Journalism (2019), Vol. 20(12) 1573–1592. https://doi.org/10.1177/1464884918757130.

2. Buoncompagni, G. Media and Natural Disasters: Organising Storytelling in the Age of Climate Change. Journal. Media 2024, 5, 614-625. https://doi.org/10.3390/journalmedia5020041

3. LOOSE, Eloisa Beling. Jornalismo e riscos climáticos. Curitiba: Editora UFPR. 2021.

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O texto foi escrito a convite da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).
A RedeComCiência é uma associação apartidária e sem fins lucrativos, criada em fevereiro de 2018, para reunir profissionais interessados em discutir, amplificar, viabilizar e melhorar o jornalismo e a comunicação de ciência no Brasil. Ela é formada por profissionais das áreas da comunicação, divulgadores científicos e cientistas de todo o Brasil.

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Lucas George Wendt é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – PPGCIN da UFRGS. Também é especialista em Comunicação Institucional/Fadergs (2021); bacharel em Biblioteconomia/UCS (2021); e bacharel em Jornalismo/Univates (2017). É secretário eleito da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência – RedeComCiência na Gestão 2021/2022 e na Gestão 2023/2024.

Graciele Almeida de Oliveira é doutora em Ciências (Bioquímica) pela Universidade de São Paulo (2010). Graduada em Química (USP, 2004), especialista em Jornalismo Científico (Unicamp, 2018) e graduanda em Educomunicação (USP). É presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência – RedeComCiência na Gestão 2023/2024. Também já foi Diretora de Rede na Gestão 2021/2022.