Na última terça-feira, dia 9, todos os defensores de políticas públicas destinadas a regular o ambiente digital, foram surpreendidos com o arquivamento do PL 2630/20, que visava criar a Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também conhecido como o PL das fake news. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), anunciou que o projeto não seria mais votado e a criação de um grupo de trabalho para debater um novo PL de regulação das redes sociais.
Após quatro anos de debates, audiências públicas e forte pressão por parte das grandes empresas de tecnologia, o projeto, que estava sob responsabilidade do deputado Orlando Silva, do PC do B foi enterrado. Mas, a quem interessa um novo projeto de lei de regulamentação das redes? As gigantes de tecnologia eram as principais interessadas em derrubá-lo, tanto é que financiaram propagandas contra o PL, como escrevemos aqui no ano passado. O lobby das empresas é organizado e poderoso, há inclusive uma “bancada digital” que defende seus interesses no Congresso, com o mote da liberdade de expressão.
O projeto, apesar de não ser o ideal por não discutir com clareza e apresentar propostas em relação à remuneração jornalística, era um importante passo para a defesa da soberania digital e da nossa democracia.
O arquivamento ocorre em meio a uma série de acusações por parte do agitador de extrema-direita Ellon Musk que por meio de sua plataforma e empresa, a X (antigo Twitter), atacou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Postura essa que o fez também virar réu no inquérito que investiga a presença de milícias digitais antidemocráticas e seu respectivo financiamento.
Musk havia sugerido que o magistrado deveria renunciar ou enfrentar um processo de impeachment. Um dia antes dos acontecimentos, um perfil oficial do antigo Twitter havia anunciado o bloqueio de “certas contas populares no Brasil”, e Musk repostou uma mensagem afirmando que estavam revisando “todas as restrições” e que “princípios importam mais do que lucro”.
O jornalista do ICL Desperta, programa do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Leandro Demori, foi enfático ao falar que Musk está jogando o jogo do capitalismo e que em outros países, como Turquia e Índia, ele jamais criticou qualquer decisão (mesmo arbitrária). No Brasil, as decisões partiram da Justiça, após atos que ameaçaram a democracia.
Musk: absolutista dos seus próprios interesses
O dono do X se autoproclama um absolutista da liberdade de expressão. No entanto, com uma rápida pesquisa em materiais jornalísticos apurados por veículos que não têm medo dos poderosos, torna-se evidente que Musk prioriza seus próprios interesses e o lucro em primeiro lugar, tanto no Brasil como em vários outros países que fornecem matérias-primas para suas empresas. Dono da SpaceX, Starlink e Tesla, Musk, segundo o The Intercept Brasil, mira o Brasil na busca por lítio, metal utilizado na produção de uma variedade de tecnologias modernas, como energia solar, dispositivos móveis e baterias para veículos elétricos fabricados pela Tesla.
O bilionário saiu vitorioso com o arquivamento do projeto de Lei, aproveitando-se da situação sem precisar investir tanto dinheiro como fizeram o Google e o Telegram no ano anterior. Musk não é apenas um empresário arrogante que desrespeita a Constituição dos países, ele tem objetivos claros e busca o lucro de suas empresas acima de tudo.
A democracia sofre cada vez que uma mentira é propagada, pois mesmo após correções, o estrago já está feito. Ele, juntamente com os outros proprietários das plataformas, lucram significativamente com a disseminação de desinformação.
Vale ressaltar que a atuação vexatória das gigantes também foi tema do estudo “A guerra das plataformas contra o PL 2630”, realizado por pesquisadores do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa mostrou que Google e Meta usaram todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do projeto. Mais de um ano depois, infelizmente, o lobby saiu vencedor. Musk nem precisou investir publicidade neste caso.
A denúncia sem provas do Twitter Files
Junto aos ataques de Musk, coincidentemente na mesma semana, o Twitter Files, que passava despercebido na timeline de um jornalista americano, ganhou proeminência junto aos canais de extrema-direita no Brasil. Foi esse grupo que fez todo o trabalho sujo ao replicar e espalhar a notícia, que, carecendo de provas e agora já esclarecida, não passou de uma denúncia infundada.
O divulgador só esclareceu que não havia provas 72 horas depois. “Depois de 72 horas da divulgação da informação falsa pela internet, que alimentou toda a extrema-direita. Isso é um método, isso não é novo no Brasil. Você publica uma mentira, ela se espalha e, posteriormente, você diz que não era bem isso, que estava errado. A mentira vendida como noticia de fato é escandalosa, enquanto a correção é apenas colateral e não se espalha da mesma forma”, apontou o jornalista Leandro Demori.
Ainda segundo o jornalista do ICL, o centro da acusação era uma mentira. “O próprio jornalista que divulgou os arquivos do Twitter após ser confrontado com a realidade no Twitter pela ativista e advogada Stela Aranha, admitiu: é falso, isso jamais aconteceu”, alertou Demori. Este episódio evidencia o poder da desinformação e os riscos e desfechos negativos que advém dela.
O que esperar dos próximos 40 dias?
Não podemos antecipar o teor do novo texto que será elaborado pelo novo Grupo de Trabalho. No entanto, é amplamente reconhecido que o prazo de 40 dias é extremamente insuficiente para construir algo tão significativo e complexo, que requer um debate extenso.
A Coalização Direitos na Rede divulgou uma nota afirmando que “a construção de uma regulação democrática das plataformas digitais para o país está ameaçada com a retirada do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP)”.
“[..] além de avançar na regulação das plataformas digitais, o Brasil precisa discutir com a população e efetivar políticas públicas capazes de promover sua soberania digital, a exemplo da manutenção de infraestruturas públicas para guarda de dados e de promoção de plataformas transparentes que funcionem para atender as necessidades locais e com vistas à promoção de direitos. O modelo atual das plataformas, a maior parte estadunidense, é voltado essencialmente à garantia de lucros, por isso o desenvolvimento de todo um mecanismo de captura de atenção e produção de audiência que é trocada por publicidade. Se não quisermos que esse modelo seja o único e paute a internet, precisamos construir alternativas”, diz um trecho da nota divulgado no dia 9 de abril.
A necessidade de regular as mídias sociais é urgente. Estamos vigilantes e atentos, comprometidos em trazer novas análises sobre essa questão aqui no ObjETHOS.
Texto publicado originalmente em objETHOS
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Tânia Giusti é Mestre em Jornalismo pelo PPGJOR UFSC e pesquisadora do objETHOS