Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os jornais diante de um gorila cibernético de uma mega tonelada

Muitos anos atrás, o teórico político Steven Lukes publicou um livro influente – Power: A Radical View , no qual argumentava que o poder sempre vinha em três variedades: a faculdade de obrigar as pessoas a fazerem o que não querem fazer; a capacidade de fazer elas pararem de fazer o que querem fazer; e o poder de formar a maneira pela qual elas pensam. Este último é o tipo de poder exercido pelos nossos meios de comunicação.

A mídia pode dar forma à pauta do público (e, portanto, política) selecionando as notícias que as pessoas leem, ouvem e veem; e podem dar forma às maneiras pelas quais as notícias são apresentadas. A “terceira dimensão” do poder de Lukes é aquilo que é produzido, na Grã-Bretanha, por veículos como o programa Today, da Radio 4, e os jornais The Sun e Daily Mail. E esse poder é concreto: é por esse motivo que todos os governos britânicos dos últimos anos sempre tiveram tanto medo do Daily Mail.

Facebook, o panóptico da era digital / extraido do blog Joelle L / via Creative Commons

Facebook, o panóptico da era digital / extraido do blog Joelle L / via Creative Commons

Mas como o nosso ecossistema de mídia mudou com o impacto da internet, surgiram novos corretores de poder. Durante muito tempo, o Google foi uma espécia de gorila de 350 quilos neste setor porque o seu predomínio sobre as buscas determinava o que as pessoas podiam encontrar no inimaginável terreno baldio do ciberespaço. E a busca podia ser – e era – personalizada porque os algoritmos do Google podiam descobrir aquilo que provavelmente mais interessava a cada usuário e, portanto, que tipo de informação seria mais relevante para ele ou para ela. Portanto, de uma maneira imperceptível mas inexorável, nós passamos a viver naquilo que Eli Pariser chamou uma “bolha de filtro”.

Antes da internet, nosso problema com a informação era a sua escassez. Atualmente, nosso problema é uma abundância impossível de administrar. Agora, portanto, os escassos recursos com que contamos são a atenção e o tempo, e é sobre eles que estourou uma guerra terrível entre a mídia tradicional e as novas empresas baseadas na internet. O “consumo” (uma palavra horrível, mas muito usada) da velha mídia está decaindo, enquanto a mídia online vem conseguindo cada vez mais a atenção e o tempo das pessoas.

No momento, os maiores ladrões são o YouTube e o Facebook. O YouTube conta com um bilhão de usuários, metade dos quais o acessam via dispositivos móveis. Em média, o tempo passado no site é de 40 minutos. O Facebook agora reivindica contar com 1,65 bilhão de usuários ativos por mês, que passam, em média, 50 minutos por dia em seus serviços. Portanto, se o Google é um gorila de 350 quilos, o Facebook é um King Kong de uma mega tonelada.

As novas responsabilidades do Facebook

A concorrência pela atenção e pelo tempo é um jogo que os meios de comunicação tradicionais vêm perdendo. No desespero, eles tentam acalmar o Facebook e aproveitar a maneira pela qual ele controla a atenção das pessoas. Muitos editores registraram-se, por exemplo, no sistema Instant Articles, da empresa, que permite que seu conteúdo seja baixado rapidamente nos dispositivos móveis dos usuários. Mas o que isso significa – como recentemente destacou Emily Bell [professora e diretora do Tow Center, da Universidade de Columbia] em sua palestra no programa Humanitas, em Cambridge – é que, na realidade, os jornais subcontrataram a distribuição de seu conteúdo pelo gigante da internet.

Ao fazê-lo, eles entraram numa verdadeira barganha de Fausto. Isso porque se os editores podem facilmente despachar suas coisas para o Instant Articles, não podem controlar os usuários do Facebook realmente irão ver. Isso porque os textos que os usuários irão ler são decididos pelo algoritmo do Facebook, que tenta adivinhar o que cada usuários gostaria de ver (e o que poderia induzi-los a clicar num anúncio). Portanto, uma vez que o conteúdo desapareça pelo bucho logarítmico do Facebook adentro, ele se torna uma simples forragem para seus cálculos.

Isso significa que atualmente o Facebook exerce o terceiro tipo de poder de Steven Lukes – o mesmo tipo de poder exercido pelo editor do Daily Mail, Paul Dacre, e pelo editor do programa de rádio Today. Mas quando você questiona – como fez de maneira memorável o professor de Jornalismo George Brock – se Mark Zuckerberg e seus sátrapas compreendem que passaram a ter responsabilidades editoriais, eles ficam mudos. O Facebook não é um editor, explicam eles, e sim, uma simples “plataforma”. E, além disso, nenhum ser humano está envolvido na seleção de textos jornalísticos para os usuários: tudo é feito por algoritmos e, portanto, é neutro. Em outras palavras: nada a ver conosco; vamos em frente.

Isso é bobagem, pelo menos no que se refere aos tipos de algoritmos de que estamos falando aqui (uma rede do sistema nervoso é outra discussão). Qualquer algoritmo que tenha que fazer opções tem critérios que foram especificados por quem o projetou. E esses critérios são expressões de valores humanos. Os engenheiros podem achar que eles são “neutros”, mas a experiência já nos mostrou que eles são ingênuos em termos de política, economia e ideologia. Se o Facebook quer se tornar um canal de notícias, então tem que reconhecer que passou para uma esfera diferente e adquiriu novas responsabilidades. E os editores que o absorvem deveriam lembrar-se da definição de Churchill para acalmar-se: consiste no processo de ser simpático a um crocodilo na esperança de ser o último que ele comerá.

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John Naughton, é articulista do jornal The Guardian