Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A biografia do jornalista mais premiado do Brasil

Poucos jornalistas são tão populares como José Hamilton Ribeiro (1935), já que há três décadas é visto pelo menos todas as manhãs de domingo às voltas com reportagens no programa Globo Rural, da TV Globo. Mas é ao mesmo tempo não só o jornalista brasileiro que mais Prêmios Esso acumulou, sete ao todo, como uma unanimidade entre os seus colegas, que o consideram uma referência profissional e um exemplo de ética na carreira e na vida particular.

Conhecer melhor essa trajetória é a oportunidade que oferece o livro O jornalista mais premiado do Brasil: a vida e as histórias do repórter José Hamilton Ribeiro (Secretaria Municipal de Cultura de Araçatuba-SP/Eko Gráfica, 2015), de Arnon Gomes, com prefácio de Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha de S. Paulo. Inicialmente trabalho de conclusão de curso (TCC) em Jornalismo apresentado à Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos-SP, em 2004, este livro foi reescrito pelo menos duas vezes por seu autor, o que demonstra a sua preocupação com o estilo e a apuração da informação.

II

Mestre consumado da reportagem, que influenciou gerações de profissionais com textos que marcaram época, como aqueles produzidos para a revista Realidade como correspondente na Guerra do Vietnã (1965-1975), da qual saiu mutilado, ao pisar numa mina, José Hamilton Ribeiro está em atividade desde a década de 1950, quando deixou Santa Rosa do Viterbo, cidade do Interior paulista, na região de Ribeirão Preto, perto da divisa com Minas Gerais, para estudar Jornalismo em
São Paulo na Faculdade Cásper Líbero, inaugurada em 1947 e até então a única do gênero no País. Ainda estudante, começou a trabalhar na Rádio Bandeirantes escrevendo notícias para leitura por um locutor durante a madrugada.

Como se lê no livro de Arnon Gomes, Zé Hamilton, como é conhecido popularmente, logo trocou a emissora por um trabalho na redação do jornal O Tempo, hoje desaparecido, e, em seguida, foi para a Folha de S.Paulo, em 1956. Não concluiria o curso de Jornalismo porque seria expulso, ao lado de outros colegas, por participar como presidente do centro acadêmico de um movimento que exigia a contratação de melhores jornalistas para o corpo docente. Naquele tempo, porém, a profissão de jornalista não era regulamentada, o que se daria em 1969, e, portanto, esse detalhe não atrapalharia sua carreira. Mesmo assim, ele não desistiria da sua formação acadêmica e iria concluir o curso de Direito em Uberaba, em Minas Gerais, em 1964.

Da Folha de S. Paulo, em 1962, Zé Hamilton iria para a Editora Abril, a convite do jornalista Mino Carta, para trabalhar na revista Quatro Rodas, a uma época em que a imprensa brasileira começava a passar por grandes reformulações. Quatro anos depois, mudaria de redação na mesma empresa, passando para a revista Realidade, que, lançada em abril de 1966, trazia uma proposta inovadora com grandes reportagens e textos de alta qualidade.

III

Alguns dos textos de Zé Hamilton daquela época são reproduzidos neste livro de Arnon Gomes e ainda hoje servem de modelo para quem pretende escrever bem. São textos objetivos, que prendem a atenção do leitor desde a primeira linha. É preciso que se diga também que, ao contrário do que ocorre hoje na grande imprensa, a Editora Abril daquela época investia em reportagem e o repórter tinha todas as condições financeiras para ir a campo e escrever seu texto.“Tinha gente que se fechava no apartamento e ficava às vezes uma semana inteira hibernando, para só sair com o texto pronto”, lembra Zé Hamilton.

Àquela época, a ideia que permeava a direção da revista é que os repórteres precisavam “viver” aquilo sobre o qual escreveriam. Assim, Zé Hamilton iria se empregar numa fábrica para viver na pele as dificuldades de um operário ou ainda iria tentar “ficar” negro para sentir como era a vida de um afrodescendente, experiência pela qual não chegaria a passar porque fracassariam todas as tentativas, desde um banho de tintura a um trabalho de maquiagem.

Com esse mesmo espírito foi escrita a reportagem que, segundo Arnon Gomes, é a preferida de Zé Hamilton, intitulada “Coronel não morre”, publicada na edição de novembro de 1966 de Realidade. Para mostrar como funcionava o coronelismo naquela época – hoje, o coronelismo ainda existe com toda a força, mas disfarçado e modernizado –, o repórter conseguiu a façanha de acompanhar o dia a dia do fazendeiro Chico Heráclio, grande proprietário de terras e homem politicamente influente em Limoeiro, na zona do agreste de Pernambuco.

Mas o que catapultaria Zé Hamilton para a fama seria a reportagem que faria como correspondente de guerra no Vietnã, da qual, infelizmente, viraria a própria notícia, ao pisar numa mina e perder boa parte da perna esquerda. A fotografia de Zé Hamilton sendo socorrido no Vietnã seria capa da edição de maio de 1968 da revista. Com o título “Eu estive na guerra”, a reportagem traz o depoimento de Zé Hamilton de todo o episódio e suas consequências, como a sua recuperação num hospital nos Estados Unidos e a batalha para se adaptar a uma prótese. A reportagem pode ser lida (ou relida) neste livro de Arnon Gomes.

Obviamente, a carreira de Zé Hamilton não parou aqui. Pelo contrário. O livro de Arnon Gomes recupera sua trajetória à frente das redações de vários jornais do Interior paulista, a uma época em que trabalhar na grande imprensa de São Paulo não era tarefa amena por causa das perseguições dos esbirros da ditadura militar (1964-1985). Recupera também os 14 livros que escreveu, desde Vietnã, o gosto da guerra, de 1969, obra de estreia, até Jornalismo Científico, teoria e prática, o último, de 2014, em parceria com o professor José Marques de Melo, passando por Pantanal, Amor Baguá, romance infanto-juvenil com mais de 40 reimpressões, de 1974, Jornalistas (1937-1997), sobre os 60 anos do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, e outros, até a sua entrada, aos 46 anos de idade, no mundo da televisão para trabalhar no programa Globo Repórter, da TV Globo.

Logo passaria para o programa Fantástico e, em seguida, para o Globo Rural, de onde não saiu mais. Suas reportagens televisivas no Pantanal, na Amazônia e em outros lugares paradisíacos do sertão ficaram na memória de muitos telespectadores e são recuperadas em detalhes por Arnon Gomes, que não se limitou a ouvir o seu biografado, mas muitos outros profissionais que trabalharam com ele – alguns dos quais faleceram nos últimos anos. Até porque, como diz Zé Hamilton com muita modéstia, o repórter teve “a sorte de sempre trabalhar com equipes de jornalistas melhores do que ele, equipes que o ajudam a fazer matérias boas o suficiente para serem premiadas”, como se lê na apresentação que Arnon Gomes fez para o seu próprio livro.

IV

Como seu ex-professor, este articulista pode dizer que Arnon Gomes foi aquele tipo de aluno que todo mestre gostaria de ter como orientando. Quando se apresentou para receber a primeira orientação para o seu TCC, já trazia não só o tema escolhido como sabia muito bem os caminhos a seguir. Além de tudo, já apresentava uma condição essencial para quem pretendia seguir carreira no jornalismo impresso: sabia escrever praticamente sem erros de Português, construir imagens atraentes e insólitas, sem rebuscamento, com um estilo direto.

O resultado foi um TCC que fez história naquela universidade e é até hoje lembrado pela direção e pelos professores do curso que tiveram a oportunidade rara de acompanhar a sua apresentação diante de um auditório lotado. Até porque o homenageado era o jornalista José Hamilton Ribeiro.

Nascido em Santos-SP, em 1983, o jornalista Arnon Gomes é editor-executivo do jornal Folha da Região, de Araçatuba, segunda maior cidade da região Oeste do Estado de São Paulo, que se caracteriza pela força econômica de sua pecuária e por seu polo universitário. Pós-graduado em História e Cultura, é autor de mais dois livros: Com o véu da alegoria, cem anos de carnaval em Araçatuba (Somos, 2008) e Genílson Senche, homem de ideias e ação (Somos, 2011).

Jornalista ainda jovem, fez deste livro um manual de jornalismo, reunindo as lições do veterano José Hamilton Ribeiro em meio a pequenas e grandes histórias, todas saborosas, que fazem parte de sua longa trajetória. Aos poucos jovens que ainda sonham com uma carreira no jornalismo impresso, hoje ameaçado de morte pela concorrência digital, recomenda-se que, antes de prestar vestibular, leiam este livro. Equivale a fazer o curso de Jornalismo por inteiro.

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Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br