Na edição 997, publicada em Julho, foi anunciada no Observatório da Imprensa, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência. Veja, abaixo, o texto da criação da rede.
No bioma das profissões, o gênero dos jornalistas está entre os mais peculiares. Curioso por natureza, ele se apaixona por uma boa história e se orgulha de pesquisar, apurar, contar e escrever sobre os fatos que movem a humanidade dia após dia. Quando falamos da espécie Journalistus scientiae (perdão pelo nosso pobre latim), as particularidades são ainda mais fascinantes. O sujeito que cobre a área de ciência se diverte pra valer num congresso de microbiologia, fica indignado com os novos dados sobre o desmatamento na Amazônia e passa horas nadando de braçadas pelo universo da astronomia.
O problema é que esse bicho está se tornando cada vez mais raro, quase exótico. No meio dessa crise sem fim do meio jornalístico, já não é nem mais notícia falar do enxugamento de redações, do corte de jornais e revistas e da dificuldade de se ganhar dinheiro com a produção de conteúdo no mundo digital. No meio dessa revolução toda, as notícias de ciência perdem espaço nos meios tradicionais por supostamente não representarem fatos tão nobres e essenciais — ao menos do ponto de vista dos donos das empresas — para a vida pública.
Diante desse cenário tão desafiador, nós resolvemos criar a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC). A exemplo do que já acontece em outros países, inclusive na Argentina e no México, nossos vizinhos de continente, a ideia é estabelecer um espaço físico e digital para estreitarmos os laços com os colegas da área, discutirmos nossa profissão sob os mais diversos ângulos e criarmos conteúdos e ferramentas para tornar o trabalho de todo mundo mais fácil, produtivo e significativo para as nossas audiências.
Além de reunir todos os Journalistus scientiae, temos ainda a missão de virar referência para os colegas que cubram diversas outras áreas e, eventualmente, precisam escrever uma reportagem sobre um medicamento recém-aprovado ou uma nova descoberta da astronomia sem ter grande experiência nesses tópicos. Sabemos que isso é muito comum nas editorias mais gerais espalhadas por diversas redações. Dentro do possível, daremos o suporte para que nossos parceiros possam fazer seu trabalho sem cometer erros ou cair em vieses e interesses perigosos.
Junto e misturado
Nossa proposta é reunir repórteres, editores, assessores de imprensa, profissionais de comunicação interna de instituições públicas e privadas, cientistas verdadeiramente interessados na comunicação da ciência, estudantes, professores, pesquisadores e influenciadores digitais.
Enquanto outros grupos estrangeiros optaram por englobar apenas pessoal de redação, nós concluímos que seria muito mais proveitoso juntarmos numa mesma rede diferentes perspectivas e pontos de vista. Em nossa opinião, conversar com tanta gente diferente dentro do espectro da comunicação de ciência é que nos fará crescer e melhorar justamente o jornalismo de ciência que praticamos no país.
A existência de um grupo como a RBJCC se torna ainda mais relevante quando pensamos no contexto das fake news, fenômeno que explodiu com a popularização da internet e das redes sociais. Muitas dessas notícias falsas estão no mundo das ciências. É o caso dos movimentos que são contrários às vacinas ou os indivíduos que juram de pés juntos que a Terra é plana. Queremos atuar de maneira a aliviar os efeitos dessas informações mentirosas junto à população.
Muitas pessoas que nos procuraram recentemente nos perguntam como é que nunca existiu no Brasil uma rede como a que estamos tentando criar. A verdade é que tivemos por longas décadas a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), que promoveu importantes avanços na área e tinha uma representatividade grande junto à classe científica e à sociedade. No começo dos anos 2000, ela deixou aos poucos de funcionar e sumiu do mapa. Nós convidamos antigos diretores e presidentes da ABJC para eles nos contarem o histórico do valoroso trabalho que realizaram e conseguimos aprender muito com os erros e acertos prévios.
O início da nova rede
Tudo começou em fevereiro de 2018, a partir de um grupo fechado de Facebook, que hoje já conta com 292 membros. Logo em março, decidimos realizar nosso primeiro encontro presencial. A partir daí, marcamos uma reunião por mês, com a presença média de 10 profissionais da área. Durante o primeiro semestre, firmamos uma parceria com a BP — a Beneficência Portuguesa de São Paulo —, que nos ofereceu um espaço para realizarmos nossos debates, sem nenhuma contrapartida financeira ou editorial. Para não criarmos vínculos com uma única empresa, agora no segundo semestre vamos nos mudar para uma outra instituição sediada na capital paulista.
Durante esses primeiros meses de funcionamento, conseguimos fazer algumas coisas muito bacanas. A primeira delas foi participar do Pint of Science, o maior evento de divulgação científica do mundo, um festival que leva cientistas para conversarem com as pessoas em bares e restaurantes sobre o trabalho que fazem nos laboratórios. A convite dos organizadores, a RBJCC montou uma programação específica sobre jornalismo de ciência, em que foram apresentados os mais diversos tópicos — de Stephen Hawking a febre amarela — num estabelecimento no bairro de Moema, em São Paulo.
Além disso, colocamos no ar a primeira pesquisa com os membros da RBJCC. Nosso objetivo era ter um perfil desses primeiros participantes e entender quais eram seus anseios e necessidades. Contamos com a participação de 45 profissionais (15% do total do grupo no Facebook) e chegamos a algumas conclusões importantes, como a necessidade de abrir nosso leque de atuação para outros campos do jornalismo de ciência — por ora, há muita gente da área de saúde entre nós. Outro ponto que vimos foi a necessidade de integrar profissionais de todo o país e não apenas de São Paulo ou do eixo Sul-Sudeste.
Para coordenar todos esses trabalhos, acabamos de criar uma diretoria fixa, grupo de trabalho que vai funcionar até agosto de 2019, quando serão convocadas as primeiras eleições da rede. Nesses próximos doze meses, precisamos avançar em pontos-chave para que o grupo se estabeleça e possa funcionar bem. Vamos atuar na criação de um estatuto, de um site, de perfis nas redes sociais, num manual de boas práticas e em conteúdos digitais. Como você pode notar, trabalho não falta.
Caso você se interesse pela área e queira se juntar a nós, pode procurar o grupo direto no Facebook. Basta escrever pelo nosso nome que você encontrará o grupo fechado (também pode clicar aqui). Enquanto ainda não temos um site, fazemos nossos comunicados e debates por lá. Também informamos o dia e o horário de nossas reuniões com antecedência para que todos possam organizar as agendas e participar.
Outra notícia bacana: esse artigo também inaugura uma coluna fixa da RBJCC, que passa a ser veiculada aqui no Observatório da Imprensa. Todos os meses publicaremos textos com discussões relevantes da comunicação de ciência. Agradecemos desde já o espaço concedido pelos editores num portal tão prestigiado e a audiência dos leitores.
Motivação não falta para seguir em frente. A principal delas, sejamos francos, é lutar para que a espécie Journalistus scientiae não corra risco de extinção.
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Criada em 2018, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) visa aproximar os profissionais que trabalham nessa área, chamar a atenção para a importância de divulgar conteúdos relacionados à ciência e, de maneira geral, melhorar cada vez mais a qualidade do que é produzido e publicado sobre saúde, meio ambiente, física, astronomia, agronomia e demais temas dentro dessa editoria.