O retrato que nos fazem da mídia brasileira os freqüentadores deste Observatório induz à constatação de que temos, realmente, uma imprensa do nosso tempo: ela repete, com fidelidade, as características da nossa sociedade e da contemporaneidade. O problema talvez seja exatamente esse – a rigor, seria mais apropriado que a imprensa nos oferecesse uma visão de mundo mais ampla, uma weltanschauung, uma ampla noção do ser humano e do seu lugar na ordem do universo.
Assim dito, pode parecer que resvalamos da observação da imprensa para um filosofismo de botequim, tão ao gosto de jornalistas. No entanto, se juntarmos o que têm dito aqui os mais variados especialistas, a conclusão não pode ser outra: a imprensa brasileira – assim como suas matrizes internacionais – está perdendo a capacidade de pensar. Apenas reage aos eventos, a partir de uma tabela de premissas conservadoras, facilmente identificáveis em cada parágrafo, ou em cada segmento de telejornal, e raramente se arrisca a aplicar sobre os fatos um questionamento mais profundo.
Uma imprensa do nosso tempo, para começar, aceita sem grande resistência o empobrecimento da língua e as imposições da indústria do entretenimento sobre o conhecimento e a cultura. Uma imprensa datada, como a nossa, demora a perceber os núcleos de vanguarda onde são formuladas as equações mais importantes para a sociedade. A pauta só contempla aquilo que já é conhecido, ou que possa ser reconhecido sem esforço.
Fora da agenda
O Centro de Estudos em Sustentabilidade (CES), da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, há muito vem inovando na maneira de analisar os indicadores econômicos; o Instituto Universidade-Empresa (Uniemp), há quase uma década ajuda a arejar o ambiente de negócios com idéias inovadoras sobre gestão. Nunca se vê um jornalista da grande imprensa nesses locais. A mídia prefere entrevistar as mesmas figurinhas carimbadas, com destaque para ex-ministros e ex-diretores de bancos estatais que, depois de fracassar no governo, se transformam em gênios da raça.
Da primeira página aos guias de lazer, nota-se nos jornais e revistas uma pressa em classificar personagens e eventos, estabelecer rótulos e enquadrá-los nos paradigmas já digeridos e aceitos, ignorando que as relações sociais, econômicas e políticas já não se dão no mesmo plano unidirecional informação-opinião. A imprensa noticia uma sociedade em rápido processo de involução e ignora que a mesma sociedade também evolui ao mesmo tempo, mas em outros padrões, criando redes dinâmicas de relacionamento e fluxos multiculturais que mudam radicalmente antes que possam ser identificados.
Assim na cultura como na economia e na política, corre sob os olhos do público um processo de mutações constantes que a velha imprensa já não consegue fotografar. Não estão nas agendas dos jornalistas os economistas, executivos e empresários que consideram ultrapassada a lógica financista que orienta as análises econômicas da imprensa. Esses gestores contemplam um panorama geral desenhado na década passada por grupos de estudos como o Gesta, que a imprensa ignorou, mas que foi importante fórum no qual amadureceram idéias que hoje orientam muitas empresas bem-sucedidas.
Necessidades básicas
Na política, a imprensa destaca o fato de que uma porcentagem importante de candidatos às eleições municipais não poderia disputar um emprego público por causa de problemas com a lei. E ficamos por aí, embora estejam disponíveis há anos estudos do Instituto Giovanni Falcone, especializado em organizações criminosas e terrorismo, dando conta de que o crime organizado vem tentando formar sua própria bancada no Congresso Nacional, financiando candidatos e lobistas.
Nos cadernos outrora chamados de ‘Cultura’, o lixo ganha status e se transforma em estilo, enquanto a internet fabrica intelectuais instantaneamente durante os plantões de fim de semana. As redações se transformaram no paraíso dos marqueteiros de todo tipo e não há tema que um bom press release não torne palatável.
Quando temos uma imprensa do seu tempo, não temos uma imprensa relevante, pois é próprio que se espere do jornalismo uma visão para além da edição do dia. Aquilo que, nos anos 1990, se convencionava chamar de ‘o DNA da História’ – a tentativa de dar a cada edição uma perspectiva histórica – virou curiosidade acadêmica.
Ficamos no varejo, tornamo-nos progressivamente incapacitados para dar à opinião pública uma idéia mais ampla e diversificada do mundo. Na dúvida, a escolha é quase sempre pelo viés mais conservador, pela simplificação e a síntese apressada.
Uma imprensa assim não instiga seu público, não se insere entre as necessidades básicas da vida moderna. A imprensa precisa se pensar.
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Jornalista