Geralmente, quem faz esta pergunta ou é um jornalista assustado com a avalancha de mudanças deflagradas pela cibernética no setor da informação ou algum dos novos gurus da tecnologia, messianicamente convencido de que no futuro tudo vai ser diferente.
O meio termo (em cima do muro) nem sempre é a posição mais cômoda, mas neste caso tudo indica que é a única forma de se tentar entender o que vem por aí em matéria de comunicação e de relacionamento entre emissores e receptores de informação.
Em primeiro lugar é necessário fazer uma distinção entre imprensa e jornalismo. A imprensa como sistema empresarial, cujo negócio é vender produtos à base de informação, não deve desaparecer como atividade, mas não há mais dúvida de que está perdendo sua centenária hegemonia na formação da chamada agenda pública. O modelo unidirecional ‘um para muitos’ cede rapidamente terreno à fórmula interativa ‘muitos para muitos’, cujo surgimento só foi possível graças à internet.
Um canal diferente
Já o jornalismo, atividade apoiada num conjunto de valores consensuais, ganha mais do que perde com a valorização da informação como commodity central na chamada Nova Economia. O dilaumeema que os profissionais do jornalismo começam a enfrentar agora é mais cultural (assumir novos valores) do que empresarial (como manter a lucratividade). A informação tornou-se demasiado importante para ser um monopólio do jornalista, ao mesmo tempo em que, graças à web, a arena da comunicação começa a ser invadida por uma multidão de novos protagonistas.
Assim sendo é possível afirmar que a imprensa como a entendemos hoje (sistema de mídia impressa) não desaparecerá da face da Terra mesmo depois de a internet deixar de ser um privilégio de poucos. A leitura em papel vai continuar porque a web exige 25% mais de esforço dos olhos e do corpo para uma leitura mais longa, como um artigo analítico.
Mas o grosso da informação passará a ser veiculado no chamado jornalismo online, ou seja, o jornalismo feito na internet, combinando texto, imagens estáticas, animação, áudio, vídeo e interatividade.
O novo peso da ética
O novo papel da imprensa escrita exigirá muito mais acomodação ao novo papel do que mudança de paradigmas. Já o mesmo não acontecerá com o jornalismo, que deverá sofrer algumas mudanças radicais para enfrentar os desafios da internet.
Quando vários autores especulam sobre a morte da imprensa o que está sendo questionado, na verdade, são alguns elementos e funções do jornalismo convencional, como o pauteiro (gatekeeper), o profissional encarregado de decidir qual o cardápio informativo que será servido a leitores, ouvintes, telespectadores e navegadores (na web).
O pauteiro tem seus dias contados, da mesma forma que o linotipista e o copidesque perderam utilidade na estrutura de um jornal. Outras funções da imprensa também serão tragadas pelo darwinismo tecnológico, mas daí a dizer que o jornalismo vai virar peça de museu há uma enorme distância.
Fenômenos como o dos weblogs estão criando modalidades novas e polêmicas, como o jornalismo participativo e o jornalismo de ‘código aberto’. Valores sagrados para o profissional, como o direito autoral, perdem relevância, enquanto a ética, que até agora tinha importância mais retórica e moralista, ganha status de valor-chave no jornalismo dos próximos anos.
Resistência às mudanças
Mas, sem sombra de dúvida, a mudança mais importante está sendo a ascensão do cidadão comum como produtor de informação. Ainda não é possível vislumbrar todas as conseqüências desta nova realidade. Alguma coisa, porém, já é possível constatar:
1.
O cidadão comum passa a ser parceiro do jornalismo na produção de notícias e informações, formando a base do chamado jornalismo participativo;2.
A produção de notícias e informações começa a se tornar um processo contínuo, em que produtores, veiculadores e receptores interagem o tempo todo, alterando ad infinitum o conteúdo da notícia ou da informação;3.
A avalancha informativa reduziu a importância do furo ou da exclusividade, em beneficio da contextualização e da interpretação;4.
Quanto mais a informação circular mais valor ela agrega;5.
A informação tornou-se o ativo mais valorizado da economia contemporânea;6.
A informação passou a ser a ferramenta indispensável para a sobrevivência das pessoas e comunidades, numa sociedade cada vez mais integrada e baseada na dependência mútua. O equilíbrio, nesta dependência, é feito pela informação.Entre os profissionais há muitos que resistem às mudanças, alegando que o jornalismo é o principal fiador da liberdade de informação, da isenção e da objetividade. Além disso, que quem o pratica foi educado em técnicas de investigação, redação e publicação de notícias. Quem não tem diploma de jornalista não poderia funcionar com produtor, processador e distribuidor de notícias e informações.
Nem invasão nem ameaça
Aqui um debate novo engata com um já bastante antigo, sobre a exigência de título universitário. Só que o contexto é diferente. Se antes a discussão envolvia questões de reserva de mercado, agora o problema passou a afetar a comunidade, já que a internet escancarou as portas para o acesso à produção e à distribuição de notícias e informações.
Querendo ou não, gostando ou não, os indivíduos comuns já estão com um pé dentro do mundo da comunicação, quando emitem opiniões sobre matérias publicadas na web, nos weblogs, nas listas de discussão, nos fóruns, quando participam da avaliação de textos e projetos etc. etc.
Se antes o jornalista corria atrás da notícia, hoje ela vem até ele em mensagens eletrônicas enviadas por cidadãos comuns, que muitos já chamam de ‘jornalistas amadores’.
Os profissionais não deveriam encarar este fenômeno como uma invasão da seara alheia, nem como ameaça à isenção ou à liberdade de informação. Muito pelo contrário: quanto mais as pessoas comuns valorizarem a informação e quanto maior for seu envolvimento na produção e circulação de notícias, mais consistente será o convívio social.
Conduta em aberto
Então, o que sobra para o jornalista? Muita coisa. A começar pela necessidade de contextualizar notícias e informações recebidas, devolvendo-as de forma processada para ampliar a capacidade de análise dos indivíduos comuns. O jornalista pode ser também um tutor de informações, orientando os consumidores de informação sobre como e onde buscar mais dados e fontes. Há o jornalismo investigativo através da internet, com a garimpagem de mais de quatro bilhões de páginas-web ou de contatos com quase meio bilhão de pessoas conectadas por e-mail.
A velocidade e a diversidade com que a informação circula na internet aumentaram a relevância de elementos como credibilidade, privacidade e interesse público. O jornalista terá que mudar alguns comportamentos; por exemplo, terá que dar menos importância à rapidez da veiculação da notícia para privilegiar a avaliação de sua credibilidade.
Espaço e trabalho não faltarão aos jornalistas que escolherem trabalhar em ambientes cibernéticos.
O que falta é a intensificação de dois grandes debates:
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Como adaptar os currículos das faculdades ao jornalismo online?**
E quais os novos valores que regerão a conduta tanto dos ‘amadores’ como dos profissionais da informação?******
Jornalista, pesquisador de mídia eletrônica