São claros os sinais de recuperação da mídia brasileira. Encontrado, afinal, o ponto de equilíbrio no qual o organismo sobrevive com a ração mínima sem demandar muita qualidade de vida, pode-se afirmar que as empresas ditas jornalísticas consolidam, enfim, o modelo que lhes permitirá sobreviver e aproveitar um pouco da estabilidade com crescimento |
que lhe proporcionam as medidas econômicas do atual governo: redações enxutas e domesticadas, as poucas vagas preenchidas com profissionais qualificados para o trabalho operacional, com a energia suficiente para a multiplicação de pautas e pouco ânimo para contestações.
Nos processos de colher e publicar, praticamente se alcançou a plena uniformidade, graças a um longo trabalho de benchmarking no qual as empresas trocaram informações sobre como buscar eficiência com menores custos. Esse entendimento vem sendo buscado há mais de dez anos, com reuniões periódicas de executivos, gerentes e editores dos grandes jornais e dos jornais regionais mais destacados.
Assim, têm-se por todo o Brasil o mesmo modelo de redação, os mesmos procedimentos na produção de notícias, as mesmas planilhas de transporte e distribuição, tecnologias equivalentes nos sistemas de edição e impressão, as mesmas fontes de notícias, colunistas e articulistas ‘sindicalizados’ distribuídos no atacado pelas mesmas agências.
Não admira que os jornais resultem muito parecidos.
Serviço extra
Hoje, com exceção dos noticiosos regionais mais voltados para suas comunidades, pode-se fazer um jornal com a mesma qualidade média da imprensa brasileira a partir de apenas uma ou duas fontes: a Agência Brasil seria a principal delas. Em São Paulo, um pequeno grupo de jornalistas se prepara para realizar essa experiência na internet, com o objetivo de radicalizar no caminho assumido pela mídia em geral e tentar entender para onde leva esse processo de pasteurização.
A diferença estará nas premissas básicas que formam cada redação. Exemplo: todos poderiam publicar a notícia da inauguração do Parque da Juventude, no antigo Complexo do Carandiru, ocorrida em 19 de setembro. Mas só saberia que se tratava de uma obra inacabada quem mandasse um repórter ao local nos dias seguintes para tomar conhecimento de que não apenas o bosque estava fechado para término da trilha de observação, como também seriam informados de que os visitantes estavam, até este domingo, dia 10 de outubro, proibidos de fazer fotografias sem autorização especial.
Um pouquinho mais de esforço de reportagem e o leitor ficaria sabendo que os guardas foram treinados para entender que ‘não pode fotografar porque o parque é um reduto eleitoral do governador Geraldo Alckmin e o governo tem medo de notícia negativa’. A frase literal poderia ser colhida pelo repórter de qualquer um dos guardas, todos diligentemente treinados segundo as técnicas atuais, que recomendam dar as ordens e explicar suas razões.
Poderia haver esse serviço extra ao leitor, claro, para evitar que fosse interpelado e eventualmente constrangido por julgar que num parque público uma câmara de fotografia não pode ser considerada um objeto de risco. Mesmo em período eleitoral.
Volta ao azul
Detalhes como esse fazem o padrão de qualidade sobre o qual as empresas brasileiras de comunicação preparam sua recuperação econômica e a retomada de sua importância no cenário nacional.
Os números são alentadores: segundo estudo apresentado pela empresa americana de pesquisa Pyramid Research durante o seminário ‘Satélites 2004’, promovido pela Converge Eventos em São Paulo, o mercado de comunicações deverá crescer 4,5% no Brasil nos próximos cinco anos. O maior crescimento está previsto para a internet em banda larga (22,5%) e TV por assinatura (9,4%), o que indica uma diferença ainda maior de investimentos publicitários na mídia eletrônica do que na mídia impressa, mas, tradicionalmente, no Brasil, jornais e revistas acabam se beneficiando marginalmente da maior disponibilidade dos anunciantes.
Os números falam muito sobre o interesse do empresário Carlos Slim Helu, dono de um conglomerado de comunicações que inclui a Telmex (Telefonos de Mexico) e Televisa, no controle da Net Serviços, a empresa de TV por assinatura do Grupo Globo. Se confirmadas as tendências de recuperação, atrás de Slim virão outros investidores estrangeiros.
As empresas de mídia estariam, portanto, no caminho de volta para o azul em seus balanços. O problema é, como tem sido mais do que relatado nesta praça por muitos observadores, o custo que a sobrevivência das empresas estará impondo à essência do seu negócio.
Quando, enfim, os jornais estiverem bem, quem convencerá seus executivos de que a bonança não poderá perdurar se o jornalismo continuar de mal a pior?
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Jornalista