1.
2.
A informação que se tem sobre o empréstimo é fragmentária e apresentada no bojo da argumentação dos próprios solicitantes, que divergem entre si. A ARTV reivindica que o documento em que se pede o empréstimo seja tornado público, para análise e posicionamento dos interessados;3.
Considerando o total da quantia pedida – 5 bilhões de reais (se é exato o que a imprensa tem anunciado) –, a ARTV considera que são recursos suficientes para imprimir profundas alterações no quadro da televisão brasileira, devendo pois, sua aplicação, ser orientada por objetivos políticos claros, que atendam ao conjunto dos interesses envolvidos – dos profissionais, dos artistas e do público –, e não apenas dos empresários;4.
Neste sentido, a ARTV toma a iniciativa de trazer ao debate a análise política que faz do atual quadro da televisão brasileira e os pontos da sua plataforma que julga adequados para a superação das deficiências apontadas;5.
A televisão brasileira, especialmente sua dramaturgia, atingiu um nível de excelência reconhecido nacional e internacionalmente, constituindo-se num patrimônio cultural que é obrigação tanto do governo, como nossa – autores e roteiristas – preservar, o que, em termos práticos, significa apoiar o empréstimo à TV Globo, para que possa enfrentar suas atuais dificuldades.No entanto, o quadro concentracionário da televisão comercial brasileira, em que a principal emissora fica com 80% da verba publicitária e cerca de 60% da audiência; em que (para nos restringir ao nosso caso) no horário nobre, por ano, para um público potencial de 150 milhões de pessoas diariamente, trabalham não mais que 15 autores e roteiristas; este quadro – somos obrigados a afirmar – é insatisfatório para o público (que não tem alternativas), para o mercado de trabalho dos artistas e profissionais do ramo (cada vez mais restrito), para a diversidade da nossa cultura e, sobretudo, para nossa democracia.
Assim sendo, julgamos que o empréstimo à TV Globo deve estar condicionado à exigência de contrapartidas que fortaleçam a produção nacional independente e seja acompanhado de medidas compensatórias, por parte do BNDES, como apoio financeiro às outras emissoras para projetos de expansão da capacidade de produção própria ou contratada a terceiros dentro do país, especialmente de dramaturgia, a fim de que se dediquem também à produção de conteúdo nacional, e não se furtem a cumprir a obrigatoriedade da Cota de Tela (vide adiante), comprometendo-se com programação de qualidade, em acordo com uma política de Estado de transformação democrática do quadro atual, no sentido que iremos expor.
A ARTV considera que o mercado brasileiro de consumo de produtos audiovisuais, especialmente de televisão, comporta mais do que um, ou dois, grandes centros produtores e exibidores de conteúdo nacional, inclusive dramaturgia. Temos consciência de que este não é um objetivo que se possa atingir a curto prazo, mas já que o governo, através do BNDES, é chamado a intervir na situação atual, deve faze-lo com critérios de fomento que abram caminho para o estabelecimento de uma saudável concorrência no setor;
6.
Seria impraticável, num documento como este – mesmo porque é assunto que demanda ampla discussão de todos os setores interessados –, indicar o conjunto das políticas governamentais necessárias para se atingir o objetivo exposto no item anterior. Vamos nos restringir a dois pontos do programa da ARTV: a Cota de Tela e a obrigação, por parte das emissoras, de exibição de produção independente;7.
A Cota de Tela é um projeto da ARTV para garantir que todas as emissoras abertas – concessões públicas, como se sabe – exibam um percentual mínimo de dramaturgia nacional inédita, no horário nobre. A idéia, por nosso intermédio, foi incluída no projeto de radiodifusão do governo anterior, infelizmente parado no Congresso, e necessita ser retomada. Pode, inclusive, ser posta imediatamente em vigor por ‘medida provisória’;8.
A obrigatoriedade de exibição de percentual mínimo de produção independente de dramaturgia por todas as emissoras se soma ao projeto de Cota de Tela para possibilitar a ampliação do mercado de trabalho de artistas e técnicos, bem como para dar vez à multiplicidade artística e cultural do nosso país, que não pode ficar restrita à orientação de apenas um, dois ou mesmo três centros produtores. Para se ter idéia da importância de tal medida, vale ressaltar que nos Estados Unidos as emissoras, por lei, só podem exibir 30% de produção própria. O restante tem que ser comprado no mercado de produtoras independentes. Nossa proposta ficaria bem abaixo deste percentual, respeitando a realidade empresarial em que vivemos, mas se impõe como medida básica de qualquer política de governo para a radiodifusão;9.
Estas são políticas para as emissoras abertas que operam em rede nacional, mas é preciso não perder de vista a necessidade de fomentar a produção regional, mediante o fortalecimento de empresas locais, com a conseqüente valorização das culturas regionais e ampliação do mercado de trabalho de artistas e técnicos, pois será da tensão entre as redes nacionais e as produções e programações locais que se estabelecerá a verdadeira democracia no setor. (A discussão do Projeto de Regionalização atualmente no Congresso é fundamental).******
Presidente da ARTV (www.artv.art.br)