Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ainda há muito o que inventar

Nem tudo é crise na imprensa. Embora seja mais ou menos consensual que estamos lidando com uma indústria madura – nascida oficialmente no século 17, cerca de 150 anos depois da primeira fornada da prensa de Johannes Gutemberg – ainda há o que inventar, segundo Al Liebermann, diretor executivo do Programa de Mídia e Entretenimento da Faculdade de Negócios Stern da Universidade de Nova York, e Larry Kilman, diretor de Comunicação da Associação Mundial de Jornais.

Lieberman, que esteve em São Paulo para proferir uma palestra a convite da Fundação Getúlio Vargas, observa que a área de publicações vem alcançando em torno de 2% de lucro, nos últimos anos – resultados pífios principalmente quando comparados com outros negócios de mídia, como os de jogos eletrônicos, televisão por assinatura, cinema e demais competidores pelo tempo do cidadão.

Kilman, que vem disparando comunicados para divulgar o 58º Congresso da Associação Mundial de Jornais, a ser realizado na Coréia do Sul no fim de maio, está destacando alguns casos de sucesso que, em sua opinião, contribuem para arejar o setor.

Lieberman, que falou para uma pequena platéia de convidados na quarta-feira, dia 6, tem em seu currículo, entre experiências na indústria do cinema, uma longa passagem pelo grupo editorial Simon & Schuster. Ele considera que um movimento importante para a sobrevivência do negócio de publicações, livros ou periódicos, é a extensão do valor dos conteúdos para múltiplos meios, ou canais, o que pode ser feito através de parcerias, sem grandes investimentos. Mas o essencial, afirmou, é que os gestores tenham a capacidade de agir rapidamente junto com os formadores de tendências, e não apenas seguir a trilha já repisada, como é praxe na maioria das empresas de mídia de informação.

Kilman comenta em um de seus últimos comunicados que uma nova geração de publishers está criando abordagens diferentes do mercado com a invenção de produtos dirigidos a públicos específicos e renovando títulos tradicionais. Ele cita especificamente o mercado alemão, onde, segundo afirma, ‘foram lançados nos últimos seis meses mais jornais do que nos sessenta anos até aqui’.

Participação da comunide

A proeza se deve principalmente ao grupo George von Holtzbrinck, que, a partir de uma extensa pesquisa, criou uma série de jornais compactos, mais baratos e com textos sumarizados a partir das outras publicações do grupo, como o diário Die Zeit, e está contabilizando milhares de novos leitores entre os jovens.

Larry Kilman também se refere ao grupo Metro, nascido na Suécia com o ousado projeto de jornais metropolitanos distribuídos gratuitamente em estações de metrô e outras áreas de concentração de transeuntes urbanos, que se tornou a maior rede de jornais internacionais do mundo e a que cresce mais rapidamente.

Demonizado pelos donos dos jornais tradicionais, o Metro não apenas se consolidou em quase todos os continentes, como acaba de anunciar um acordo com nada menos que a New York Times Company, pelo qual a empresa que faz o jornal mais tradicional dos Estados Unidos adquire 49% do Metro Boston, um diário gratuito que faz grande sucesso entre os jovens mais educados de Boston (Massachusetts).

O Metro já esteve por aqui. Contabiliza um grande sucesso em Santiago do Chile, Publimetro, um redondo fracasso em Buenos Aires e um aborto no Rio de Janeiro, que nasceu morto antes da lei que regulamenta a participação do capital estrangeiro na mídia nacional. Enquanto no resto do mundo o jornal gratuito começa a ser visto – inclusive pela Associação Mundial de Jornais – como um recurso para atrair novos leitores, por aqui a Associação Nacional de Jornais vê o modelo como uma ameaça.

Outro exemplo citado por Larry Kilman é La Reforma, do México, que construiu uma forte reputação, entre outros motivos, por criar um novo paradigma ao abrir à participação da comunidade os núcleos de decisão editorial. O jornal se edita há dez anos na Cidade do México e saltou de uma posição secundária para a liderança do mercado mexicano. O grupo controlador do La Reforma está na cidade industrial de Monterrey, onde mantém o diário El Norte.

Espírito aberto

Por aqui, não há sinal de que o leitor entre nas redações a não ser pela mão dos ‘relações-públicas’. Também não há evidências de inovação quanto ao uso das novas tecnologias ou de uma relação mais criativa com a internet. O Estado de S.Paulo, que há pouco mais de um ano resolveu destruir o projeto Estadão Multimídia e apresentar o conteúdo do jornal na internet apenas para assinantes, está se preparando para voltar atrás, depois de registrar o total fracasso do modelo adotado. [Situação similar vive o diário espanhol El País, que depois de limitar o acesso seu conteúdo na web apenas a assinantes viu despencar sua audiência e começou a perder dinheiro com a operação de internet.]

Liebermann e Kilman têm lá suas razões para otimismo. Por aqui, também se pode alimentar esperança de dias melhores. Se falta espírito inovador aos gestores da mídia nacional, pelo menos nos resta o hábito de macaquear o que se faz lá fora. Quem sabe nossos enviados ao Congresso da Associação Mundial de Jornais voltem de Seul, no começo de junho, com um espírito mais aberto.

******

Jornalista