Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Folha de rabo preso nas suas jogadas

A Folha de S.Paulo anunciou de forma envergonhada a venda de 21% do seu capital à Portugal Telecom. A notícia do jornal sobre o jornal transcende à esfera doméstica, tem uma dimensão jornalística que não pode ser minimizada. O acanhamento aqui parece suspeito, nada a ver com discrição.


Ao esconder uma notícia desta importância numa página interna num caderno segmentado e dirigido ao mercado de economia (‘Dinheiro’, 4/1/05, pág. B-4, remissão abaixo), a direção da Folha mandou dizer ao leitor das suas páginas de opinião e política que a transação não era da sua conta. Isto poderá custar caro em matéria de credibilidade.


A Folha é o primeiro jornal brasileiro a abrir o seu capital a um grupo estrangeiro. Não é pecado, está previsto na nova redação do artigo 222 da Carta Magna. Esta seria a manchete se o diário, agora luso-brasileiro, não pretendesse manipular o significado da operação. A fusão Folha-UOL é rigorosamente secundária e o fato de ambas abrirem o seu capital não é novidade. A Editora Abril também o fez ao vender parte de suas ações a uma administradora americana de fundos de pensões [remissão abaixo].


Injustiça reparada


A Portugal Telecom é a primeira empresa estrangeira a ter uma presença significativa na mídia brasileira. Mas isto é apenas a ponta do iceberg. O mais importante porém é que a Portugal Telecom tem participação significativa na operadora de telefonia Vivo, que pertence majoritariamente à espanhola Telefônica (ou Telefónica).


Estamos diante de um vasto conglomerado jamais visto em nossa conjuntura, não apenas pelas dimensões mas pelas suas características. Não se trata de um novo conglomerado multimídia como a Globo, mas de um gigante pós-mídia: a produção de informações deixa de ser exclusividade de uma empresa com os compromissos inerentes à atividade jornalística e passa a ser feita por um serviço de telefonia cuja concessão tem outras finalidades.


Significa que em futuro próximo o UOL ou outro portal associado a uma operadora de telefonia poderá emitir uma programação televisiva sem estar habilitada para isso.


A Folha apresenta-se como um jornal independente, ‘a serviço do Brasil’, mas, no caso, perdeu a noção do que significa independência. Disfarçou a informação em seu próprio benefício, distorceu o sentido da notícia e ludibriou a esmagadora maioria dos leitores incapazes de perceber nas entrelinhas.


Como jogada empresarial a fusão pode ser espetacular, mas como compostura editorial foi, no mínimo, lamentável.


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A última linha do terceiro parágrafo da matéria publicada pela Folha (terça, 4/1) repara uma brutal injustiça cometida pelo mesmo jornal, em 1999, quando afastou este Observador do quadro de seus colaboradores sob a alegação de que publicava mentiras no Observatório da Imprensa a seu respeito. Ao reconhecer naquela passagem que o seu parque gráfico (Gráfica Plural, ‘a maior empresa de impressão off-set do país’) tem sócios americanos, a Folha admite seis anos depois que a informação estava correta. Caluniou um jornalista que contou a verdade.