Quando grandes grupos econômicos na área digital começam a investir pesado no jornalismo local, é bom prestar atenção. Amazon, Google e o jornal The Washington Post (do dono da Amazon) anunciaram nos últimos 40 dias grandes investimentos em projetos voltados para o fortalecimento da informação local nos Estados Unidos. Antes disto, a rede social Facebook também já havia lançado o seu projeto de apoio a iniciativas jornalísticas comunitárias, a exemplo do que já havia feito o site de micro mensagens Twitter.
Tanta coincidência não é fruto de um modismo e nem de uma nova fonte de dinheiro, mas a constatação de que está em curso uma reversão do fluxo de informações, especialmente nos países mais tecnologizados. Uma reversão que tem a ver com o novo papel que os dados, fatos e eventos estão assumindo na maneira como a sociedade gerencia a circulação de mensagens nas várias plataformas de mediação entre pessoas e entre artefatos eletrônicos.
A informação local se tornou estratégica tanto no processo de inovação em todas as áreas do conhecimento humano, como na criação e fortalecimento da interatividade entre indivíduos participantes de comunidades sociais. A inovação passou a ter uma importância crítica na era digital diante da multiplicação exponencial de produtos e serviços concorrentes entre si e baseados em sistemas eletrônicos. A facilidade de lançar novos produtos acirrou a concorrência e quem consegue diferenciar seu produto tem mais chances de sobreviver.
A informação local, antes desprezada, passou a ser uma fonte disputadíssima por sua capacidade de gerar diferenciais. Isto ocorre em todas as áreas do conhecimento humano. Na gastronomia, por exemplo, os grandes chefs buscam hoje no interior, até mesmo na selva, ou em seus antepassados, dados e fatos capazes de gerar novas receitas ao serem combinados com elementos contemporâneos. A indústria farmacêutica foi buscar em tribos indígenas dados e conhecimentos para produzir novos remédios e vacinas. Grupos sociais antes ignorados ingressaram na agenda informativa mundial.
Notícias da vizinhança
Por outro lado, a migração de pessoas das superpovoadas e superproblemáticas metrópoles em direção à cidades menores está gerando uma nova estrutura comunitária onde a notícia é o fator de interação entre as pessoas, criando condições para a formação e diversificação de comunidades. Para desempenhar esta função, há necessidade de um jornalismo local capaz de funcionar como um gatilho para a interatividade social.
O jornalismo local torna-se essencial nesta nova conjuntura mas exige um formato e função bem diferentes do que hoje prevalece na maioria dos municípios brasileiros e em quase todo mundo. O novo jornalismo não se baseia mais na relação tradicional de venda de anúncios como fonte principal de faturamento, mas num conjunto de receitas que vão desde assinaturas, prestação de serviços, comercialização de banco de dados, faturamento com eventos e outras modalidades diversificadas de recursos financeiros.
Se no modelo tradicional o anunciante influencia a linha editorial, no novo modelo é o engajamento com o público que determina a produção dos conteúdos informativos. O leitor, ouvinte ou telespectador deixa de ser um consumidor para se transformar num interlocutor proativo, mudança que tem como corolário uma nova pauta de temas de interesse direto da população, em vez de atender o desejo dos anunciantes.
As experiências realizadas até agora nos Estados Unidos, na Austrália, Nova Zelândia e Europa mostram como cresce continuamente o volume de informações locais que ganham visibilidade na agenda de notícias nacionais e internacionais. Isto ocorre graças às facilidades oferecidas pelas novas tecnologias digitais de informação e comunicação, também pelo maior preparo técnico dos jornalistas e programadores, bem como à ênfase no engajamento amplo com o público de cada publicação.
Colonialismo tecnológico
Mas há exceções. A transição do velho para o novo jornalismo local acontece de forma traumática em alguns lugares por conta da resistência dos empreendedores tradicionais à readequação do seu negócio à nova realidade. Esta resistência prolonga muito além do razoável a prática de uma forma ultrapassada de jornalismo baseada em fidelidades político-eleitorais, na subserviência a grupos econômicos locais, na egolatria dos seus executivos e na prioridade ao sensacionalismo policialesco ou à fofoca social. Isso desvaloriza o veículo jornalístico diante de eventuais novos parceiros e alimenta paixões incompatíveis com o trato de informação pública.
Os grandes grupos tecnológicos, por seu lado, possuem os recursos financeiros e o know how digital para desenvolver projetos jornalísticos comunitários, mas não têm o engajamento social com a comunidade, o que tem gerado vários episódios de hostilidade aberta. As comunidades interioranas, em quase todo mundo, geralmente são muito desconfiadas e até agressivas em relação aos forâneos por causa de experiências passadas em que foram exploradas por indivíduos possuidores de tecnologias e conhecimentos que os locais não dispunham. Este obstáculo, que alguns chamam de “colonialismo tecnológico”, retarda a implantação de novos projetos jornalísticos, muito além do desejável e viável.
A esperança está na chamada “glocalização“, a interação entre o global e o local. O problema é que esta combinação assume formas e processos específicos em cada ambiente, não havendo, pelo menos até agora, fórmulas que possam ser aplicadas a todos os casos.
Isto obriga os novos jornalistas locais a muito estudo, pesquisa e experimentação antes de chegarem a um modelo sustentável em matéria de finanças e fidelização de audiências.
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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.