Não são poucos nem modestos os desafios que aguardam a imprensa nacional no ano que se inicia. Estamos em meados da primeira década do século 21, e convém lembrar que já faz mais de dez anos que os primeiros jornais brasileiros ingressaram na internet, traduzindo seus conteúdos para o formato digital e experimentando a expansão que o novo meio permite. Também está fazendo uma década que os jornais brasileiros sonharam com tiragens diárias de 1 milhão de exemplares e acordaram com dívidas bilionárias.
Não foram poucos nem modestos os erros cometidos nesse período. Foram muitos e variados os descaminhos da gestão da imprensa, desde a simplificação do conceito de ‘reengenharia’, que colocou as empresas de mídia no viés equivocado, segundo o qual seria possível produzir equações precisas sobre a produtividade de cada jornalista, até a desastrosa experiência, estupidamente repetida à exaustão do caixa, dos ‘anabolizantes’ de circulação.
Carteira menor
No fim da trilha, como foi dito lá no princípio, constatou-se o óbvio: o leitor, como qualquer outro cliente, tende a desvalorizar o produto ou serviço que lhe entra pela rotina – que, nos rudimentos de contabilidade, se chama depreciação – e costuma, ao contrário, se encantar com os produtos e serviços que o surpreendem. Assim, mais do que obviamente, quem recebeu um aparelho de DVD ao assinar uma revista ou jornal, desenvolveu uma percepção de valor muito maior pelo brinde do que pelo produto que lhe deu origem.
Obviedade? Não para os gênios da gestão que conduziram nossas empresas de comunicação para a mais tenebrosa crise de sua história. Para estes, não bastou o fracasso. Foi preciso radicalizar o modelo, até se esgotarem os recursos, e ainda há aqueles que se justificam dizendo que, com mais alguns milhões, se haveria de consolidar a expansão da base de leitores.
Sabia-se já em 1992 que, historicamente, a tática de oferecer brindes de alto valor percebido, em troca da assinatura de periódicos, deixava um resíduo de no máximo 8% de assinantes. Portanto, a nenhum deles se pode conceder o benefício da ignorância.
No caso brasileiro, o rescaldo foi ainda pior: muitos dos jornais que optaram pelo ‘anabolizante’ terminaram com uma carteira de assinantes menor do que a que possuíam antes da esperta jogada ‘marquetológica’. Como agravante, é provável que tenham conseguido reduzir drasticamente o valor percebido do produto em si, como era de se esperar.
Atrás da credibilidade perdida
Na esteira das boas notícias produzidas pelo governo na área econômica, as principais empresas de mídia do país começaram a se mover para fora do atoleiro da crise em 2004. A reforma gráfica do Estado de S.Paulo, ainda que pareça obra incompleta, pela falta de surpresas no conteúdo editorial, mexe com os brios da concorrência e dá ao público a impressão de que a imprensa ainda tem os sinais vitais preservados. Mas os verdadeiros desafios ainda estão por vir.
Alguns deles: como tirar proveito da crescente importância da mobilidade, nas escolhas de entretenimento e informação de boa parte da população? Como retomar a preeminência da imprensa na ocupação do tempo daquela parte do público que lidera as mudanças de hábitos? Como competir na diversidade e brilho das novas alternativas de publicidade? O mais importante deles: como reconquistar a credibilidade perdida e, junto com ela, fazer percebido o valor da imprensa como instituição?
Inovar é preciso
Inovação é a trilha que pode conduzir nossas empresas de comunicação para terreno mais seguro. Mas, como se pode depreender do resultado da reforma do Estadão, nossos gestores continuam confundindo inovação com criatividade. Exceto pela experiência – até aqui bem-sucedida – dos anúncios com aroma, pouco se tem feito para surpreender o leitor, e a busca do novo, note-se, ficou restrita às páginas de publicidade. No coração da imprensa, tudo segue igual, da pauta ao fechamento.
É preciso inovar nos processos de captação e edição, na gestão dos profissionais, no relacionamento com o mercado, na estratégia de conquista e ‘fidelização’ de assinantes, na exploração das novas tecnologias. Mas, essencialmente, o que falta à gestão das nossas empresas de mídia é associar estratégias inovadoras ao propósito da sustentabilidade.
Para isso, é preciso que os gestores de todos os níveis, desde aquele que administra o tempo necessário à sua reportagem, até os que decidem sobre os orçamentos da empresa, tenham em mente o significado do negócio de imprensa.
É preciso começar a fazer aquelas perguntas que ficaram sem sentido nos últimos anos, cujas respostas exigem um alto grau de conhecimento sobre o negócio em si e sua relevância no contexto das instituições: para quem, para que, com que objetivo, precisamos de imprensa?
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Jornalista