Na primeira semana de existência do vespertino Q!, o que mais chamou atenção no mercado de jornais populares do Rio de Janeiro foi o crescimento das vendas do jornal Meia-Hora. Com isso, acirrou-se a disputa entre O Dia e Extra.
Para quem está chegando agora, uma explicação: O Dia foi o líder do segmento popular no Rio, nas últimas décadas do século passado. Sua liderança, foi arrebatada pelo Extra, criado pelas Organizações Globo para brecar o avanço do concorrente em redutos do jornal O Globo, editado pelo Infoglobo. A estratégia deu certo graças a eficiente propaganda, promoções, apoio das emissoras de rádio e TV do sistema Globo e ao preço do jornal, mais baixo do que o concorrente.
Com queda sistemática de vendas, O Dia lançou um novo produto, o tablóide Meia-Hora, que transita entre a receita padrão de jornais populares, temperada com pitadas de plágio [as cores do logotipo, o conceito de tempo embutido na marca – o ‘o’ da palavra ‘hora’ lembra um relógio, enquanto o ‘x’ do Extra é uma ampulheta estilizada’], a tipologia semelhante e outras pequenas apropriações do concorrente.
Devido a essas semelhanças, foi feita uma pesquisa pelo Infoglobo para medir até que ponto o leitor do seu jornal não o confundia o Extra com o Meia-Hora. O resultado, de acordo com uma fonte da Infoglobo, mostrou que houve uma certa confusão no início, principalmente entre os leitores da classe D, mas que depois a dúvida foi dissipada.
Sábado e domingo
A guerra entre os dois grupos ganha proporção à medida que aumenta a vendagem do Meia-Hora, que não é filiado ao IVC (Instituto Verificador de Circulação). Lançado em setembro, o tablóide completou 41 edições na segunda-feira (14/11). No primeiro dia de vida vendeu cerca de 20 mil jornais, segundo informações de pessoas que fazem o acompanhamento diário de vendagem em banca para o Infoglobo. Na semana anterior, o Meia-Hora atingiu, segundo as mesmas fontes, média diária de 55 mil exemplares, entre segunda e sexta-feira, dias em que circula.
Tanto o Meia-Hora quanto o Q!, no entanto, padecem da falta crônica de anunciantes. Especialistas garantem que mesmo que o Meia-Hora chegue a 200 mil exemplares diários, sem anunciantes ele não se paga. Atribuem a falta de anúncios à desconfiança do mercado, ao fato de o jornal não ser auditado pelo IVC, e à baixa capacidade de consumo dos seus leitores. A desconfiança do mercado também vale para o Q!, que, embora em processo de filiação ao IVC, é um produto muito novo e instável.
Na sede de O Dia circulava outra informação: a média de vendas do Meia-Hora atingira 80 mil jornais/dia. ‘Menos’, disse um funcionário do próprio jornal, acrescentando que esse patamar foi alcançado em duas ocasiões, sem saber informar qual teriam sido as manchetes que possibilitaram essa façanha.
O rápido crescimento, ancorado no preço do jornal (50 centavos de real), fez a direção da empresa cogitar se filiar ao IVC. Outra decisão foi criar as edições de sábado e domingo, que começam a circular no fim de semana de 19 e 20/11. Oito pessoas foram contratadas, aumentando a equipe de redação do Meia-Hora para algo em torno de 30 profissionais. Anunciou-se também a criação de quatro cadernos – um aos sábados (‘Casa, reformas e decoração’) e três aos domingos (‘Saúde’, ‘Esportes’ e ‘Televisão’) – que terão entre quatro e oito páginas inicialmente.
Aos domingos, o preço do Meia-Hora será de 1 real. Apesar disso, algumas editorias como a Geral (Polícia e Cidade) e Esportes ainda dependem do material produzido em O Dia. Segundo um editor, 80% do material de Geral do MH é produzido pela equipe outro jornal. As únicas matérias que não são compartilhadas são as exclusivas.
Antenas ligadas
O crescimento do Meia-Hora é visto com cautela pela cúpula do Extra, que aprendeu com os erros cometidos pelo O Dia, em 1997, quando este menosprezou o surgimento do concorrente por acreditar ser possível crescer para cima de O Globo, tomando-lhe leitores e prestígio.
Lembrando esse episódio, funcionário graduado do Extra confirma que a empresa está estudando o novo cenário, ‘com mais um jogador’. Ele admite que se o segmento se mostrar viável, haverá reação, inclusive com a possibilidade de surgir um novo jornal barato.
Com relação a O Dia, propaga-se nas hostes concorrentes que o jornal deixou de vender 4 milhões de exemplares entre fevereiro e setembro. Outro número negativo divulgado pelos concorrentes é que na segunda-feira (14/11), O Dia, pela primeira vez em mais de 20 anos, teria vendido menos do que 100 mil jornais em bancas – perto de 99 mil exemplares, além de cerca de 9 mil assinaturas.
Sob a perspectiva do Extra, o segmento popular está dividido em ‘popular com conteúdo’, no qual ele se inclui, e ‘popular com pouco valor agregado’. Os editores do jornal pretendem continuar a investir em jornalismo investigativo, citando como exemplo as matérias da saga de Dona Vitória, a idosa que filmou traficantes e os denunciou à polícia.
Estratégia de vendas
Na redação de O Dia, capitaneada por duas das três herdeiras de Ary Carvalho, circula a informação de que o Meia-Hora já está incomodando o Extra. O tablóide teria arrebanhado 11% dos leitores do concorrente, principalmente na classe D.
Um dos editores do jornal revela que a estratégia é deixar o MH passar O Dia, que deve se qualificar ainda mais, mesmo que a vendagem fique abaixo de sua média histórica. O mesmo editor disse que esta decisão estaria fundamentada numa pesquisa, mostrando que o número de leitores do principal jornal do grupo está estabilizado. Especula-se também que a qualquer momento o Extra reagirá. A redução de preço de capa, segundo um editor que pediu para não ser identificado, é menos provável, pois o concorrente cresceu muito e teria prejuízo.
Uma semana de Q!
O Q! completou uma semana de vida com muitos problemas. Foi difícil encontrar o jornal. O sistema de venda de ambulantes em 192 pontos da cidade naufragou na chuva forte que caiu no final da tarde, principalmente nos dois primeiros dias de circulação.
Os ambulantes contratados ficam apenas três horas nos pontos de venda – entre 17h e 20h. Na primeira semana, a moça que trabalha em frente a uma universidade no bairro do Rio Comprido afirmou ter vendido 25 jornais diários, em média. Além dos ambulantes, pouco mais de 100 bancas do Rio se cadastraram para vender o jornal.
O tablóide vespertino, que prometia em outdoors e em spots de rádio trazer notícias mais atualizadas do que os matutinos populares, optou matérias frias, sem impacto, descumprindo a promessa inicial. Não trouxe inovações gráficas nem tecnológicas e luta, sem a força de uma grande mídia, para modificar o hábito arraigado entre fluminenses e cariocas de comprar jornais pela manhã. Outro dado estranho é a proporção editor/página. Incluindo os editores-executivos, são 16 editores para 24 páginas.
Uma iniciativa, porém, merece um registro. O jornal firmou convênio com a Universidade Popular de Comunicação, projeto da ONG Observatório de Favelas, que conta com o apoio da UERJ, UFRJ, UFF, Abraji e Sindicato dos Jornalistas do Rio para formação de comunicadores populares nas favelas. O objetivo é permitir que os alunos do Observatório façam estágio no jornal para se qualificarem e produzir, supervisionados por jornalistas, pautas sobre o cotidiano das comunidades carentes – histórias sobre o aproveitamento e o direito de uso das lajes, o racismo entre negros e nordestinos nas comunidades e uma série de outros assuntos que não são trabalhados a contento na grande imprensa.
Boa iniciativa que não pode ser atrapalhada por repórteres afoitos, que acaso queiram obter informações sobre traficantes de drogas por intermédio desses estudantes.
******
Jornalista e professor