Os jornais brasileiros estão aproveitando a maré favorável da economia para consolidar suas carteiras de assinantes, com campanhas discretas e voltadas especificamente para o que, no jargão do setor, se chama de fidelização – ou seja, manter a proporção de clientes fiéis em vez de correr atrás de novos leitores, como tem sido até aqui.
Acabou o dinheiro para as grandes campanhas que contrapunham os principais concorrentes nas grandes cidades do país. Portanto, trata-se agora de investir o que for possível na preservação dos leitores mais identificados com os valores e o estilo de cada periódico.
A tendência pode significar muito mais do que uma simples escolha dos departamentos de assinaturas, ditada pela constatação de que a circulação se reduziu 7,2% em 2003, no terceiro ano consecutivo de declínio, após os 9,1% negativos verificados em 2002 e a queda de 2,7% ocorrida em 2001. Trata-se, na verdade, de uma atitude de preservação, visto que o meio jornal está assistindo, ao mesmo tempo, uma queda de participação no bolo publicitário: de 19,9% em 2002, fechou 2003 com uma fatia de 18,6% do total investido pelos anunciantes, com a TV comercial aberta aumentando seu bocado de 58,7% para 60,4%.
Padrão ideal
Mesmo com o constatado novo alento da economia, que alguns já acreditam ser sustentável, os jornais demoram a reagir. Faltam recursos para a formação de leitores e criação do hábito de compra entre os mais jovens e, na eventual retomada do crescimento econômico, a mídia impressa compete com meios que se beneficiam diretamente da disponibilidade de tempo do consumidor, sem necessidade de educá-lo para a prática da leitura. Os programas de fornecimento de jornais para escolas secundárias minguaram e desapareceram na maioria das empresas jornalísticas, por falta de recursos e de interesse.
Parece, portanto, sensato que se invista na preservação dos leitores mais fiéis para evitar o pior, ou seja, a queda ainda maior nas escolhas do público e dos anunciantes.
Com 1,2 milhão de leitores a menos, de um ano para outro os jornais brasileiros correm um grande risco se não forem capazes de oferecer ao mercado, em compensação, um público engajado e comprador. Para o anunciante, fidelidade sempre foi sinônimo de credibilidade do meio e, por conseguinte, de mais valor para o anúncio.
O problema é que essa escolha também empurra o meio jornal para trás, em termos da qualidade do seu relacionamento com a sociedade, e aumenta o potencial de suas dificuldades futuras. Ao reduzir seu esforço para a criação de um novo público – compromisso que está associado intrinsecamente ao papel da imprensa como instituição de interesse social –, o jornal atalha na origem suas possibilidades de crescimento, pois é uma obviedade que a imprensa precisa de novos leitores, essencialmente, assim como a indústria automobilística precisa de novos motoristas habilitados.
Além disso, estudos de comportamento associados às redes sociais, aplicados especificamente nas características de relacionamento que se consolidam na era digital, indicam a conveniência de se buscar a diversificação, ao contrário do que comumente se valoriza em circunstâncias de crise. Ou seja, a saída mais adequada em caso de crise não é o conforto da homogeneidade, mas o estímulo e a aventura da diversidade.
Um desses estudos, conduzido recentemente numa das turmas da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, lembra a teoria dos ‘laços fracos’ de Mark Granovetter, professor na Universidade de Stanford, na Califórnia, segundo a qual as redes de relacionamento só se mantêm e se desenvolvem quando encontram a relação ideal entre as interações homogêneas e as heterogêneas. Assim, o jornal precisa gerar o dinamismo necessário para preservar um padrão ideal de leitores fiéis e ao mesmo tempo agregar novos leitores que enriqueçam a diversidade do seu público.
Vínculos sociais
Jornalismo é relacionamento. A credibilidade de um periódico se consolida por meio da qualidade de seu conteúdo e por sua capacidade de lidar com as muitas formas em que a realidade se apresenta. Portanto, uma rede de alto valor é essencial para que o relacionamento de um jornal com seu público seja considerado pelos anunciantes como um ambiente propício à exibição de um produto ou serviço.
Redes muito homogêneas são basicamente compostas de ‘laços fracos’, segundo Granovetter, porque nelas os relacionamentos se dão quase sempre de forma redundante, gerando pouco valor para cada um de seus ‘nós’. Isso, de certa forma, indica que os jornais – ao adotar estratégias conservadoras que não priorizam a diversidade – passam a ter uma área de influência progressivamente restrita, alimentando um círculo vicioso de opiniões mais ou menos homogêneas sobre tudo.
No prazo longo, escolhas conservadoras são sempre desastrosas para o negócio da imprensa, uma vez que ela, por natureza, precisa estar na vanguarda da sociedade. Em termos de gestão, pode-se assegurar que, mais do que a maioria dos outros setores, o negócio da imprensa precisa constantemente ampliar seu capital social. Esse é o valor que a preserva e a faz relevante.
O capital social de um jornal pode ser medido por uma equação que considere a extensão e diversidade (alcance) de sua rede de relacionamentos e o volume de capital social de cada um de seus ‘nós’.
Quando um jornal se coloca como ponto de convergência de redes, e não como um centro de poder homogêneo e conservador, ele se habilita a ser reconhecido como o espaço de realização da soma dos valores de cada ‘nó’ dessas redes. Mas seus gestores precisam reconhecer, com os riscos, o valor da diversidade.
Da mesma forma que o crescimento econômico se revela desastroso se não estiver vinculado ao desenvolvimento social, a simples manutenção de uma carteira de assinantes ou o aumento da circulação, sem a criação de vínculos sociais e culturais dinâmicos e fortes, pode significar para os jornais a mera ampliação da crise.
Investir apenas na preservação é um ato contrário aos interesses de preservação.
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Jornalista