Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Notícias na feira-livre do entretenimento

A análise da imprensa se torna mais complexa neste momento de transição, quando a mídia tradicional, reagindo às ameaças da tecnologia e das mudanças culturais, se revela ainda mais conservadora e menos sensível à necessidade da renovação. Fechando-se no centro de círculos cada vez mais homogêneos e marcadamente ideológicos, a imprensa sofre em quase todo o mundo um processo de perda de credibilidade.

Estudos do Poynter Institute, situado na Flórida, indicam que, em função de episódios como a revelação de fontes do New York Times, mesmo os jornais tradicionais vêm perdendo espaço no rol das entidades em que o público confia.

Na Europa, de acordo com pesquisa feita pelo instituto Eurometer em 2004, a existência de emissoras públicas de rádio e televisão e a divisão clara entre jornais ‘sérios’ e ‘tablóides’ ajudam a preservar a confiabilidade da imprensa, mas a mídia impressa sofre a crescente pressão dos meios eletrônicos e tem lançado mão de manobras como o lançamento de títulos de circulação gratuita para formar novos leitores. Os resultados dessas estratégias ainda não aparecem de forma convincente.

No Brasil, a Associação Nacional de Jornais não publica pesquisas a respeito de credibilidade desde 2001, quando foi divulgado um trabalho do Datafolha, tendo preferido mais recentemente estudar a efetividade da publicidade no meio jornal em relação às decisões de compras dos consumidores. O fato de não haver disponibilidade de trabalhos recentes sobre o tema é um fator negativo adicional sobre a capacidade da imprensa de influenciar grandes setores da sociedade.

Movimento inverso

Quando e se vierem a ser publicados, novos estudos precisarão aplicar metodologias que levem em conta as mudanças profundas ocorridas no ambiente das mídias nos últimos cinco anos. O rápido crescimento de fontes de informação não tradicionais, como os sites de busca tipo Google, e a vulgarização de programas de entretenimento travestidos de jornalismo são fenômenos que precisam ser levados em conta nessa análise.

Embora o principal executivo do Google no Brasil, Alexandre Hohagen, já tenha declarado que não é sua intenção competir com fornecedores de conteúdo jornalístico, é fato que os jovens tendem a preferir o formato de notícias rápidas na internet, sem se importar se a marca que a veicula está ou não ligada a uma empresa jornalística.

Para os divulgadores de informação via internet e para os produtores de programas chamados de ‘infotenimento’, o que importa é o volume de acessos e a audiência, que significam maior percepção de valor da mídia. Só a imprensa propriamente dita, vinculada a empresas tradicionais de jornalismo, tem a credibilidade como fator importante para seu sucesso e permanência.

A credibilidade, portanto, é valor que se inicia e se fecha dentro do ambiente estrito do jornalismo, esteja ele expresso em papel, numa tela de computador ou no telefone celular. Portanto, as chances de empresas jornalísticas conseguirem sobreviver, no ambiente de rápidas transformações que estamos vivendo, dependem em grande parte de sua capacidade de romper o círculo de auto-referências e se lançar à conquista da confiança de grandes e diversificadas massas de cidadãos.

No entanto, o que se tem visto recentemente é o movimento inverso: em vez de procurar se diferenciar na complexidade das mídias, as empresas jornalísticas buscam se beneficiar por todos os meios dos volumes de audiência dos meios de entretenimento, aderindo ao discurso ligeiro da mídia eletrônica e eventualmente até mesmo emprestando a seriedade de suas páginas a invenções de produtores e marqueteiros, em especial no chamado mercado de cultura.

É quase como levar jóias para vender na feira-livre.

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Jornalista