Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O leitor como colega de trabalho

Como a grande Feira de Paris de 1900, que anunciava o admirável mundo novo do século 20, que então começava, o grande mérito do ano que ora se encerra é ter sido o arauto do admirável mundo das comunicações que começaremos a viver em 2006.

A TV digital, que será realidade já em setembro, a internet, com suas dezenas de milhões de internautas, o celular que superou os 70 milhões de usuários e caminha firmemente para alcançar os 100 milhões brevemente, e também a preocupante queda constante na venda dos jornais diários. Tudo isso é a mistura perfeita para se acreditar que um novo mundo nas comunicações está agora em seu nascedouro.

A nova televisão que nascerá em 7 de setembro futuro, em caráter experimental, diga-se de passagem, será apenas uma imagem melhor, mais perfeitamente definida, como se notará de imediato? Claro que não. Em torno da programação da televisão, hoje conhecida, vão girar inúmeros aplicativos, ou seja, informação que diz respeito ao programa em apresentação, assim como qualquer outro tipo de conteúdo que as emissoras ainda vão escolher, em consonância com a política a ser definida para o setor pelo Ministério das Comunicações. Sem contar com outra potencialização da programação e do novo conteúdo: a transmissão não somente para os aparelhos de TV como para celulares também. Estes e outros importantes aspectos da televisão digital brasileira foram expostos aqui no OI, edição 359, em artigo de Nelson Hoineff (‘TV digital, o começo e os fins‘).

A internet hoje tem mais de 20 milhões de usuários no Brasil e caminha rapidamente para chegar a um número muito mais expressivo. Inclusive grande parte destes internatuas já opera na banda larga, o que representa poder estar conectado grande parte das 24 horas do dia. Excetuando-se os jogos, a internet é praticamente fonte inesgotável de informação, inclusive as notícias que os jornais vão publicar e que aparecem na rede em primeira mão. Este último fato, junto com a gratuidade do acesso às notícias, é apontado como sendo o responsável pela queda na vendagem dos jornais no mundo todo e até ameaça à sobrevivência dos mesmos neste novo ambiente.

Quantos anos mais?

Tudo isso tem sido mostrado aqui no OI, neste ano de 2005. Caio Túlio Costa, jornalista e estudioso da comunicação, mostrou no texto ‘O jornalismo não será o ator principal‘, por exemplo, como a mídia nacional, seguindo o exemplo mundial, está se concentrando: eram 10 grupos familiares (Abravanel, SBT), Bloch, Manchete), Civita, Abril), Frias, Folha de S.Paulo), Levy, Gazeta Mercantil), Marinho, Globo), Mesquita, O Estado de S.Paulo), Nascimento Brito, Jornal do Brasil), Saad, Bandeirantes) e Sirotsky, (Rede Brasil Sul). Na virada do século, no entanto, se reduziram a 6 grupos familiares (Abravanel, Civita, Frias, Marinho, Saad e Sirotsky), pois o grupo Bloch fechou, apesar da continuidade jurídica da empresa, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil passaram para o empresário Nelson Tanure (o mesmo que agora está adquirindo as ações da Varig) e o Estadão passou a uma gestão profissional, ficando a família Mesquita apenas como acionista.

Em relação à queda de venda dos jornais no Brasil, o artigo de Caio Túlio aponta dados oficiais: entre 1965 e 2000, 15% ou menos de 0,5% ao ano, enquanto entre 2000 e 2003 a queda foi de 18% ou 6% ao ano. Demonstra assim que os últimos anos têm sido cruciais na queda de vendas e eles coincidem com o crescimento da internet.

Este mês, no dia 13, o OI na TV foi uma homenagem aos 400 anos de existência do jornal e do jornalismo. Num programa em homenagem ao passado, o interessante foi discutir mesmo o presente e o futuro da imprensa. Participaram do debate o presidente da Biblioteca Nacional, Muniz Sodré, a colunista política do Diário de Pernambuco Marisa Gibson e o vice-presidente da Editora Segmento, Roberto Müller Filho. O tema colocado por Alberto Dines foi: ‘Já imaginou o que seria de você sem jornais e sem jornalismo?’.

Internet-jornais-leitores

Para Müller Filho, os jornais não sobreviverão se não se renovarem. ‘Hoje, se você acompanha a internet o dia inteiro, dificilmente precisará pegar um jornal’, afirma. Muniz Sodré acha que o jornal precisa se hibridizar, mesclar-se com outras plataformas de comunicação. ‘Eu não acredito mais no impresso isolado’. Já Marisa acha o risco representado pela internet não tão grande assim e que o jornalismo impresso consegue sobreviver com bom gerenciamento empresarial e bons profissionais na redação. Seu ponto de vista é mais interessante ainda quando defende a idéia de credibilidade e de fonte digna dos jornais, explicando que a televisão e a rede exercem o papel de chamar o leitor/espectador para a ocorrência, mas será no impresso que vai o leitor encontrar a análise detalhada e o tratamento com maior profundidade da notícia. E esta situação, assim, vai continuar.

Nestes 400 anos de existência do jornal, 200 dos quais faz parte a história da imprensa no Brasil, nunca houve um momento tão dramático como o atual. O fato é que a imprensa passou por períodos de grandes mudanças e inovações, como o fim das grandes guerras, desde a época de Napoleão, no início do século 19, incluindo, claro, as duas guerras mundiais do século 20, e a descoberta e o desenvolvimento do cinema, do rádio e da televisão. Sempre como um barco que se mantém acima das águas, mesmo quando estas se movimentam como mar revolto. Agora, não, a internet veio como uma tsunami na vida dos jornais no mundo todo, abrindo espaço para a indagação: será que os jornais sobreviverão a esta onda gigante? E da mesma forma que o grupo que participou do programa OI na TV, no dia 13 passado, encontraremos opiniões mais ou menos na mesma linha quando este tema é debatido.

Sobre esta questão já foi apresentada aqui no OI por este articulista uma avaliação da relação internet-jornais-leitores. Na edição 353 (‘O caos é nossa fonte‘), abrimos assim a discussão: Houve um tempo em que o jornalista dispunha de 24 horas para levantar a notícia e publicá-la. Hoje, se dispuser de uma hora, é muito. Esta aceleração no jornalismo começou há pelo menos sete anos, quando a internet iniciou sua expansão. Para acompanhar este ritmo 24 vezes mais veloz, é preciso promover mudanças, para não continuar vendo a venda de jornais e revistas despencar ano a ano. E demonstramos que o ponto crucial era o que chamamos de ‘linha indecisa’: A partir da modernização tecnológica, representada pela internet e pela telefonia celular, mas que se compõe de muitas outras inovações, os negócios em geral perderam o referencial sobre os quais se conduziam. O que há agora é uma chamada ‘linha indecisa’, entre a adaptabilidade volátil da maioria e a inovação na anarquia. Os empresários em geral e os da mídia em particular estão do lado da adaptação volátil (frágil por si só), enquanto a internet, por exemplo, caminha sobre esta linha indecisa, sem se perturbar, pois está do lado da inovação na anarquia. Por que dizemos anarquia? Porque não há mais planejamento, caminho seguro, conhecido. O evento é quem determina o caminho a seguir, ou seja, a todo instante os acontecimentos exigem decisões e, por isso, não adiantaria mais um planejamento.

Questão em aberto

Já na edição 354 (‘Que tal o leitor ser o impressor‘), alertamos: Enquanto as empresas jornalísticas apostam no ramo televisivo e na internet (O Globo e a Folha), os jornais mesmo continuam sua jornada, vivendo apenas o dia a dia. Não se tem notícia de que estas empresas de mídia estejam desenvolvendo algum projeto futurista para os jornais. A não ser as mudanças gráficas e mesmo inovações editoriais, que são projetos do cotidiano, os jornais, neste sentido, acabam sendo entregues à própria sorte, ou melhor, má sorte, que é a queda nas vendas que tem se verificado. Não vamos exagerar, afirmando que não há preocupação com a diminuição da venda dos jornais a cada ano. Seria absurdo. Mas, por outro lado, o investimento no futuro, ou melhor, no futuro próximo, este está sendo relegado. Investir nos jornais para que estes recuperem os leitores perdidos nos últimos anos e avancem ainda mais neste sentido, senão mais justo, com certeza mais seguro e vantajoso seria.

Se milhões de pessoas se apressam em obter na internet informações sobre os acontecimentos importantes, não mais do dia, mas daquele momento, o que está realmente acontecendo? É a internet que está com sua tecnologia acelerando a busca de informações ou é o próprio usuário, o nosso leitor, que tem mais pressa e até necessidade da informação rápida? Sim, a internet é quem está sendo acusada dessa revolução, mas é ela tão somente a responsável pelo comportamento novo de grande parte dos leitores e por projeção futura dos leitores em geral?

Estamos saindo de 2005 com esta questão em aberto. Entretanto, podemos iniciar agora alguma discussão a respeito, começando exatamente pelo fim da questão, a projeção futura que apontaria uma mudança de hábito geral dos leitores, em favor da notícia rápida da internet. Não seria em 2006 ou 2010, mas gradativamente a cada ano um certo número de leitores migraria dos jornais para a rede e, segundo um professor de Comunicação americano, apresentado no artigo já citado de Caio Túlio Costa, este fim ocorreria em 2043. Fato concreto é a queda na venda de jornais em todo mundo ano a ano e principalmente nos últimos anos. A situação já é grave, mas quando se acentuar ainda mais deverá haver uma reação dos jornais. O que acontecerá então, é imprevisível.

OhmyNews

Lembramos que a internet antes de 1998 era incipiente e que em apenas 8 anos causou um dano considerável aos jornais. A tecnologia em si não pode ser responsabilizada por esta ocorrência. Ela é apenas um meio que se coloca a nossa disposição. Os antigos leitores de jornais que migraram para a internet sim, têm necessidades ou desejos que os levaram à informação na rede. Diríamos que o mundo estava mais veloz, só faltando as ferramentas e, por isso, quando estas surgiram encontraram tanta receptividade. É importante que se entenda esta questão: a migração ocorreu e vai continuar porque o leitor tem necessidades ou desejos que a internet vem preencher. Este leitor não pode esperar 24 horas para ver no jornal ou algumas horas para ver na televisão. A informação rápida está articulada com o ritmo do trabalho, das atividades sociais e mesmo com o tempo de lazer. É o que chamamos de timing.

Os jornais estão fora do time atual. Por isso estão perdendo leitores, não para a internet, que é apenas a ferramenta, mas para os sistemas que o próprio público criou dentro dela, que são os portais, os sites e as janelas que passaram a desenvolver um trabalho rápido de colocar a informação à disposição dos interessados. Internet é instrumento que está muito mais à disposição dos jornais do que contra estes, como novo meio de comunicação. A internet, pode-se dizer, é a ferramenta que os jornais precisavam para encurtar o tempo de contato com os leitores, mas estes até agora não descobriram isso e teimam em separar as duas coisas: jornais de um lado e noticiário na internet de outro. A internet é a extensão natural do jornalismo praticado pelo jornal impresso, e não seu concorrente.

Uma tendência em novos rumos para o jornalismo é sem dúvida o jornal de internet que se tornou campeão em vendagem de banca, o coreano OhmyNews, que o OI comentou em várias edições a partir de 2003 [ver remissões abaixo], e os veículos semelhantes que surgiram em países como Japão, Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Vietnã, Tailândia, Índia e Cingapura.

Portas fechadas

Em todos os países onde está presente este jornalismo comunitário, também conhecido como open source (código aberto), o veículo trabalha nas duas formas, internet e impresso, sendo esta última responsável por venda avulsa e assinatura bastante significativas. Para os dirigentes do OhmyNews e das demais publicações semelhantes que surgiram a partir dele, a questão é quando esse jornalismo vai sobrepujar jornais tradicionais, enquanto no Ocidente ainda há dúvida se esse formato de jornalismo coletivo vai dar certo.

Em menos de dois anos, o OhmyNews, que começou como página na internet, superou os principais jornais na venda em banca da Coréia. Sua fórmula é muito simples: o leitor é parte integrante da redação, ou seja, grande parte das páginas do jornal é realizada com matérias ou sugestões de pauta dos leitores, o que torna a criação coletiva muito mais ampla. Esta nova dimensão para o leitor já vem sendo sentida aqui mesmo: as cartas dos telespectadores postadas sob a resenha de Letícia Nunes do debate do OI na TV (‘Vida longa ao impresso‘) mostram que jornalistas, estudantes de Jornalismo e não-jornalistas (maioria) não só comentam as posições dos convidados do programa, como acentuam o comportamento da mídia no tratamento dos assuntos e o desrespeito ao leitor/espectador. Está claro que o leitor não é mais passivo, que apenas consome as informações.

Apesar de ainda ser visto como um caso para o marketing e para o departamento de circulação, o leitor já não é mais o personagem para o qual jornalistas e jornais trabalham. Ele agora é colega de trabalho, está totalmente integrado à publicação. Sua participação já está ocorrendo, mas ainda não é aceita, pois as portas continuam fechadas para ele. Mas a lição do OhmyNews e desta nova imprensa comunitária e a ameaça da internet ao futuro dos jornais pressionam para uma mudança radical. Chegou a vez do leitor, que não é mais leitor, e sim o grande parceiro para recuperar a venda dos jornais e, ao lado da utilização adequada da internet, o grande futuro para a imprensa.

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Jornalista