Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Patrão, o trem atrasou, por isso estou chegando agora…  

A Editora O Dia, responsável pela publicação do jornal O Dia (RJ), anunciou oficialmente, na quarta-feira (31/8), o lançamento de mais um jornal popular, o Meia Hora, nitidamente calcado em projetos bem-sucedidos de veículos impressos gratuitos. No entanto, antes que o anúncio gere expectativas exageradas, é preciso contextualizar e relativizar a iniciativa da empresa.


O Dia há muito perdeu a liderança do setor para o principal concorrente – Extra, pertencente ao Infoglobo, que também edita O Globo. Segundo dados de julho do Instituto Verificador de Circulação (IVC), a média diária de vendas de O Dia, entre segunda-feira e sábado, foi de 137.904 exemplares contra 274.688 do rival. Aos domingos, os números continuaram desfavoráveis: 238.434 contra 428.534.


Em desvantagem neste front, a direção da empresa também vê com preocupação o surgimento de um novo jornal popular, que entrará em circulação nas próximas semanas. O Qnotícias é capitaneado por Ariane Carvalho, que foi alijada do comando de O Dia pelas outras duas herdeiras do empresário Ary Carvalho [ver remissão abaixo].


O Q, como o chamarei daqui para frente, é um clone do jornal espanhol gratuito ¡Qué!. Começou a ser gestado no final de 2004, mas só passou a ser tocado após o carnaval de 2005. A idéia inicial era seguir a estratégia do pioneiro do segmento, o Metro, criado em 1995, na Suécia, e hoje instalado em 19 países da Europa, América do Norte, América do Sul e Ásia: ser distribuído nas principais estações do metrô. No caso do Q, porém, a opção seria pelas estações de trens dos subúrbios cariocas. Conversações com a concessionária do serviço foram iniciadas, mas não teriam evoluído.


Competição entre populares


A iminência do surgimento de um novo concorrente, temperada pela disputa entre as irmãs Carvalho, fez O Dia abrir uma nova frente de batalha, antes mesmo de se conseguir obter melhores resultados na guerra que trava com o Extra. Os números de O Dia são menores, por exemplo, na mesma medida em que o jornal leva ‘furos’ sucessivos em áreas consideras estratégicas, como o noticiário policial.


Um exemplo da pressa como a empresa está tocando seus projetos pode ser vista na iniciativa de só registrar o domínio (www.meia-hora.com.br), um dia depois da coletiva que anunciou o produto. A decisão fez com que uma outra empresa fizesse a solicitação do endereço eletrônico um pouco antes. Para garantir o nome da publicação, O Dia solicitou a criação de mais um domínio, dessa vez sem o hífen. A decisão sobre quem ficará com qual endereço será feita pelo comitê de Registro de Domínios para Internet no Brasil.


No passado, mais precisamente no fim dos anos 1980, O Dia obteve sucesso quando ressuscitou A Notícia, marca de sua propriedade, com as características de um jornal popular para impedir o avanço de O Povo, na praça do Rio, que conquistara 50 mil leitores ávidos por fotos escabrosas e um noticiário policialesco, abandonado pelo ex-jornal de Chagas Freitas, então em processo de qualificação. A Notícia recuperou a maioria dos leitores perdidos pelo principal jornal do grupo.


A mesma estratégia foi tentada no final dos anos 1990, quando surgiu o Extra. A Notícia foi reformulada, na tentativa de competir com o popular do Infoglobo, mas acabou sepultada em cova rasa por não ter tido forças para enfrentar a concorrência.


Mercado dinâmico


As movimentações no mercado de mídia impressa do Rio de Janeiro por enquanto estão baseadas em experiências de jornais gratuitos, que a própria Associação Nacional de Jornais começa a defender. Na próxima semana, durante seminário sobre circulação organizado pela entidade, em São Paulo, uma das palestras ministradas por Jim Chisholm, diretor da Associação Mundial de Jornais, será ‘Jornais gratuitos: uma tendência mundial’.


Esse modelo, que ainda não foi implantado em sua plenitude no Brasil, talvez porque os empresários prefiram seguir o exemplo do grupo alemão VG, que optou por criar o jornal com preço de capa baixíssimo ‘enquanto os gratuitos não chegam’, tem desdobramentos surpreendentes.


Em artigo publicado neste Observatório [‘Tempero brasileiro para receita espanhola’, ver abaixo], ressaltei que já havia uma segunda geração de gratuitos segmentados. No entanto, surgiu algo ainda mais inusitado: os gratuitos customizados.


Em abril de 2005, a companhia de aviação espanhola Iberia lançou o jornal IB Universal, diário tablóide, full-collor, voltado para os 30,5 milhões de passageiros que transporta anualmente. Sua tiragem é de 70 mil exemplares/dia.


Com 24 páginas, divididas em três áreas – ‘Ahora’ (matérias mais importantes e de interesse social) , ‘Actualidad’ (engloba o noticiário de Internacional, Espanha, Economia e Negócios e Esportes) e ‘Ocio y Espectáculos’ (lazer, passatempo, shows, programas e noticiário de TV) –, o jornal da edição de 18 de abril último tinha um quarto de suas páginas preenchidas por anúncios.


Sob a direção do gerente de comunicação da Iberia, o diário foi desenhado pela Cases y Associats, de Barcelona – a mesma empresa que projetou o esportivo Lance! e fez o redesenho gráfico do jornal Estado de S.Paulo e de publicações da Rede Anhangüera de Comunicação).


Viagem de metrô


Assim como qualquer outro subproduto de uma editora de jornais, IB Universal tem uma redação enxuta – aproximadamente 16 pessoas – e contrata os serviços pelos menos três agências de notícias e uma agência de fotos. O diário se propõe a ser um jornal complementar, ‘ainda que sem dúvida bastará sua leitura para estar bem informado’, garante.


As primeiras pesquisas demonstram que 42% dos leitores/passageiros da Ibéria são mulheres, 39% lêem outros jornais, 17,2% são profissionais liberais ou gerentes e a faixa etária de seu público está entre 24 e 54 anos.


Esses dados demonstram que o mercado no Rio pode seguir as mesmas tendências ou resultar em novas experiências, já que pelo menos uma instituição fluminense está analisando a possibilidade de transformar seu jornal mensal num gratuito diário. Se isto se concretizar, veremos que as empresas de comunicação iniciaram o processo com muito mais atraso do que faz supor o nome do novo matutino de O Dia, nitidamente inspirado no 20 minutos, que se espalhou por diversos países europeus.


[O jornal Metro foi concebido com a preocupação de que os leitores consumissem o noticiário no tempo médio de utilização do metrô das principais cidades européias – em torno de 16 minutos. Depois, surgiu o 20 minutos, que levou esta preocupação ao título.]

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Jornalista e professor