Não são desprezíveis os esforços que os dirigentes de empresas de comunicação no Brasil vêm fazendo, nos últimos dez a quinze anos, para colocar o setor a salvo da mais grave e persistente crise de todos os tempos. Desde 1992, quando circunspectos editores começaram a freqüentar cursos do Juran Institute, da Fundação Dom Cabral e de outras instituições de educação de executivos, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) têm buscado ajuda de consultores, têm enviado seus representantes a congressos no exterior, têm comprado idéias mais ou menos coerentes e também têm engolido muita picaretagem.
O resultado de tanto esforço é pífio. Exceto pelo período em que, infladas por brindes anabolizantes, as tiragens subiram a níveis nunca antes vistos, o que se constata é pura desolação. A mídia não sai do pântano, os assinantes envelhecem, as prioridades do orçamento doméstico se distanciam da compra de um periódico, os jovens não desenvolvem o hábito de leitura e só apanham um jornal ou uma revista eventualmente, por mera curiosidade.
Os controladores da mídia e seus credores, que agora compartilham a mesa de direção das empresas de comunicação, certamente se perguntam por que nada parece funcionar. Um artigo publicado no jornal online de economia e negócios da consultoria McKinsey, nesta semana, dá uma pista que pode iluminar os luminares da imprensa: ‘Decisões estratégicas nunca são facilmente alcançadas, e as premissas humanas às vezes as fazem desandar’. O texto explica como e por que uma decisão estratégica pode ser deturpada quando a organização não defende seus objetivos contra a contaminação das premissas, preconceitos e vícios que a envenenam.
Expedientes táticos
Vejamos como isso tem acontecido nas empresas de comunicação brasileira. Há alguns anos, o Grupo Globo tem se valido dos serviços de um dos mais renomados estrategistas do mundo, que dirige uma instituição de educação de executivos na região metropolitana de São Paulo. Desde 1997, quando Marluce Dias da Silva assumiu a superintendência-geral do grupo, a empresa da família Marinho começou a perseguir sistematicamente a modernidade em gestão. Teve à sua disposição o melhor que o dinheiro pode comprar. E não saiu do lodo. Pelo contrário, viu a concorrência minar seus melhores projetos com iniciativas mambembes e de baixo custo.
O estrategista nada tem a ver com isso. Ele conduziu os executivos da empresa a níveis de reflexão que eles nunca haviam experimentado em suas vidas. No entanto, no dia-a-dia da empresa, os líderes nunca conseguiram superar a ‘síndrome do Bozó’, aquela doença que transforma qualquer subassistente de acendedor de holofote da Globo em very important person. Premissas retrógradas, arrogância e uma insuperável resistência à mudança minaram todos os esforços de Marluce e seus liderados. Marluce saiu, por problemas de saúde, voltou e nada parece se alterar.
O Grupo RBS foi provavelmente a empresa do setor que mais se beneficiou da onda de modernidade, mas ainda assim teve que limitar suas ambições, por conta de certo provincianismo e da mesma dificuldade para rever premissas. Continua a ser uma empresa gaúcha. Uma boa empresa, mas gaúcha, sem a desejada influência nacional. Seu carro-chefe no jornalismo diário, o jornal Zero Hora, é absolutamente ignorado em Brasília e São Paulo. Nas disputas regionais, as iniciativas do grupo na região sul se desgastam com certas características demográficas e culturais produzidas pelo tipo de colonização ocorrida em estados como Paraná e Santa Catarina, e, quinze anos depois de iniciado, ainda não conseguiu consolidar seu projeto de expansão.
O Grupo Estado de S.Paulo, arejado por executivos impostos pelos credores, busca saídas pontuais, mas suas iniciativas no campo comercial não encontram contrapartida no núcleo editorial. O projeto da revista semanal dorme num arquivo eletrônico, a Agência Estado encolhe e perde espaço para a Reuters, a Bloomberg e outros concorrentes multinacionais, o Jornal da Tarde não decola, o Estado de S.Paulo envelhece, mesmo usando bermudas de surfista. A Folha de S.Paulo empacou e vive de expedientes táticos. A Editora Abril continua cavando o veio das publicações femininas e de entretenimento, enquanto seu maior patrimônio, a revista Veja, se transforma num vergonhoso exemplo de mau jornalismo e suas revistas de negócios rodam o velho tema conservador do sucesso financeiro.
Mensagem velha
Observe-se o que há de comum entre todas elas: vão ao Olimpo do planejamento estratégico, mas esquecem de proteger os seus centros de decisão estratégica contra as premissas e vícios que, em última instância, são a causa original da crise. São capazes de comprar as melhores e mais inovadoras estratégias, mas na hora de aplicá-las contratam apenas as consultorias que se encaixam em seu viés pré-existente. Agem como o doente que consulta o maior especialista do mundo e depois se entrega a um desses charlatães que ‘curam’ com um copo d’água ‘abençoado’ em cima do aparelho de TV.
Em muitos casos, a cultura corporativa está dominada de tal maneira por essas premissas, como no caso do Grupo Globo e do Grupo Abril, que os processos de decisão e os núcleos operacionais simplesmente não tomam conhecimento de novas orientações estratégicas. A máquina continua trabalhando como sempre esteve: tal personagem é non grata à casa, tal personagem é bem-vindo, e as idéias só são assimiladas quando coincidem com o viés que sempre determinou as escolhas. Como pano de fundo, predomina o viés pequeno-burguês da bajulação aos poderosos e ‘chiques’, o culto à celebridade, os pressupostos de certa ‘pós-modernidade’ mal compreendida.
Mesmo quando trata, eventualmente, de assuntos de vanguarda, nossa imprensa consegue envelhecer a mensagem. Mesmo quando a estratégia indica uma visão de mundo mais ampla, ela se realiza sob os limites míopes do conservadorismo.
A imprensa brasileira parece esquizofrênica? Ela é esquizofrênica.
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Jornalista