Larry Kilman, diretor de Comunicações da Associação Mundial de Jornais (conhecida pela sigla WAN, de World Association of Newspapers), é um homem otimista por temperamento e por dever de ofício. Cabe a ele estimular os dirigentes de 18 mil jornais ligados a 72 representações nacionais, além de executivos independentes em 102 países e mais 13 agências de notícias, que formam a maior organização internacional de diários impressos.
De seu escritório na rua Geoffrey Saint-Hilaire, em Paris, Kilman tem despachado regularmente análises sobre os indicadores e desafios que afetam o setor neste momento decisivo para a redefinição da importância dos jornais no mundo da mídia.
Um dos últimos temas que abordou em seus comunicados trata da disputa que os jornais devem travar com as demais mídias nos próximos anos pelas verbas de publicidade – uma das preocupações que deverão mobilizar editores e dirigentes até Roma, em 24 e 25 de fevereiro de 2005, onde a associação vai realizar sua próxima conferência.
Larry Kilman está convocando os jornalistas a participar dessa discussão. Se estamos todos no mesmo barco e se, em última instância, a maioria dos jornais depende de publicidade para seguir existindo, devemos todos participar da busca de um modelo que sustente as empresas jornalísticas. O nó da questão, como sempre, lembra Kilman: como o departamento editorial pode, eticamente, ajudar o departamento comercial a aumentar o faturamento?
Asas à imaginação
Por enquanto, a única parte dessa equação que as empresas jornalísticas parecem ter aprendido é a conta de subtrair: subtrair vagas nas redações, subtrair páginas dos cadernos, subtrair direitos trabalhistas. Faltam habilidades matemáticas essenciais, como a soma e a multiplicação.
O próprio Larry Kilman dá umas dicas ao lembrar, por exemplo, que é preciso prestar atenção às vulnerabilidades das outras mídias e ressaltar o que os jornais têm de mais valioso para o público. Assim, então, pode-se concluir que a prática de repetir no dia seguinte as manchetes dos telejornais da noite não é propriamente uma forma de valorizar o diário impresso versus a televisão aberta.
Kilman lembra que também a TV paga tem suas fragilidades, como a tecnologia emergente que permite ao telespectador programar o aparelho para saltar o intervalo comercial. Ele entende que não apenas os executivos da área comercial, mas também os jornalistas dos diários, podem pensar em formatos que consigam atrair anúncios direcionados tradicionalmente para canais específicos da TV por assinatura.
Quanto ao rádio, o executivo da WAN observa que as melhores oportunidades podem surgir mais propriamente de parcerias do que pelo enfrentamento, dada a complementaridade entre os dois meios. Da mesma forma, ele aconselha um olhar mais cuidadoso sobre a possibilidade de complementação entre os jornais e os outdoors e os painéis eletrônicos, como acontece eventualmente na maioria das grandes cidades.
O que Kilman insinua, com essas observações, é que os editores de jornais deveriam pensar um pouco além das bordas de suas páginas, como já faz um número crescente deles com relação à internet.
Compreensão holística
Esse é um desafio que se arrasta há duas décadas no Brasil, desde que a Folha de S.Paulo desatou uma concorrência agressiva contra o Estado de S.Paulo, na base comum aos dois jornais, e avançou nos mercados do Rio de Janeiro e Brasília.
Brotou na sede da Folha, nesse período, uma geração de editores e executivos que praticavam uma das habilidades defendidas por Larry Kilman: o relacionamento com o mercado publicitário e o manejo das práticas do marketing pessoal que faz a glória de celebridades e emergentes. A moda vazou para os concorrentes e, daí, para praticamente toda a mídia impressa do país.
Praticamente todos esses profissionais foram bem-sucedidos, no sentido que se dá comumente à expressão: tornaram-se conhecidos, engordaram seus patrimônios, enriqueceram seus currículos. No entanto, o jornalismo que resta sob suas pegadas é terra arrasada. Eles representaram uma clara ruptura com o modelo tradicional do jornalista brasileiro, entre o boêmio e o intelectual, descuidado com a carreira como com a aparência pessoal, avesso a qualquer proximidade com a área comercial da empresa, incapaz de lidar com orçamentos e planos estratégicos.
O que Larry Kilman quer dizer com o aposto ‘eticamente’, quando se refere à necessidade de o departamento editorial dar uma mãozinha na busca de resultados positivos no balanço, é essa faixa estreita na qual devem caber, além da extrema competência para editar, uma compreensão mais profunda do negócio da imprensa. Nessa faixa estreita deve atuar o profissional que em inglês é qualificado como publisher, cujas qualificações deveriam estar bem acomodadas sob a palavra editor.
De lanterna na mão
Trata-se de um desafio respeitável. Um dos maiores jornais do país, que passou por recente remodelação e acaba de afastar das lides diárias os membros da família proprietária, está buscando no mercado dois profissionais capazes de liderar uma nova fase, na qual os temas levantados por Kilman serão considerados fundamentais.
Mas não há muitos quadros desse quilate no Brasil. Temos editores ou gerentes, gente que sabe escolher notícias, mas não sabe lidar com a diversidade humana de uma redação; ou temos aqueles que só sabem produzir belas páginas com o cofre escancarado e pleno de recursos.
Nossas empresas jornalísticas têm colocado muitas fichas em profissionais forrados de habilitações específicas, priorizando aqueles com muita sensibilidade para captar a opinião do dono, e desenvolveram uma ojeriza doentia aos mais críticos, aos livres-pensadores e independentes. E é desses, por ironia, que os jornais sempre se valeram em seus melhores momentos.
Agora que a crise se atenua e aparece a oportunidade da retomada e da consolidação, as seqüelas da tal reengenharia que varreu as redações nos últimos anos surgem com todas suas chagas. Como não investiram na formação de profissionais com o perfil adequado, é possível que os gestores dos jornais se vejam como Diógenes, a procurar inutilmente na escuridão.
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Jornalista