Ano novo, vida nova – diz um velho refrão, que continua atual. Pelo menos, nesta virada de ano, a mídia brasileira tem grandes novidades: além da propalada TV digital, que vai esse ano revolucionar a televisão brasileira, a Editora Abril e o grupo de comunicação gaúcho RBS (Rede Brasil Sul) vivem dias de grandes preparativos para abrir o capital, ingressando na Bolsa de Valores e quebrando toda uma tradição de controle de mídia existente em nosso país.
No inicio dos anos 1950, Victor Civita começava seu empreendimento com histórias em quadrinhos da Walt Disney, como Pato Donald e Mickey, e conseguia se consolidar como editora, na década seguinte, ao lançar revistas de conteúdo como Claudia, Realidade e Veja. Esta última levou sete anos para atingir a meta a que se propunha, cinco anos além do tempo imaginado. Foi uma luta que Roberto Civita, filho do fundador e atual presidente da Abril, comandou pessoalmente e teve paciência suficiente para não desistir, após os primeiros anos, porque sabia que se tratava do produto mais importante da empresa e capaz de garantir-lhe uma posição de liderança no mercado editorial.
Lançada em 1968, somente na década de 1970 a revista Veja iria se consolidar. Depois da Veja, a Editora Abril implantou a MTV e lançou um provedor de internet que, com outro provedor lançado pela Folha de S. Paulo, acabou se transformando no UOL, o maior do país. Este é um momento em que as empresas de comunicação não podem ficar paradas, diante das mudanças no mercado e o perfil de consumo de informação. É hora da Editora Abril e do grupo RBS partirem para uma nova aventura.
O mercado de olho
Aparentemente, a operação de bolsa das duas empresas é apenas uma mudança jurídica e operacional administrativa, passando estas de sociedades fechadas para organizações abertas, com certo número de ações disponíveis ao público investidor. Para as empresas de São Paulo e do Sul vai imediatamente representar uma captação de recursos, com os quais a Abril e a RBS poderão melhorar seus recursos tecnológicos, aprimorar estruturas e até lançar novas publicações ou ainda adquirir empresas e títulos que não vão bem, por falta de um recurso como este de investidores de bolsa.
Mas o grande divisor de águas de antes e depois da Bolsa não é este importante recurso que ingressará nos caixas das duas empresas. Vai muito mais longe, abrindo questões como: o que uma campanha jornalística da Veja ou do jornal gaúcho Zero Hora pode representar em valorização ou queda das ações dessas empresas? E estas empresas, como passarão a se comportar diante não mais apenas da pura e simples venda de exemplares ou audiência, mas com um componente novo como a oscilação do valor de suas ações?
A influencia da Bolsa nas mudanças decisivas pode ser sentida até mesmo na história do maior grupo de mídia do mundo, o Viacom Paramount, que tem faturamento acima de 26 bilhões de dólares/ano. O líder do grupo, Summer Redstone, era apenas um advogado aposentado que cuidava dos cinemas drive do pai, quando comprou 25 mil dólares em ações da Fox, após assistir à avant-premiere do filme Guerra nas Estrelas. Redstone acreditava no resultado que o filme traria à Fox Filmes, que teria suas ações valorizadas com isso. Acertou. Mais do que ganhar com estas ações, ele abriu um novo caminho, de compras de ações após cada lançamento de filmes que prometiam, e finalmente a aquisição da própria Viacom, uma empresa de produção de filmes para a TV que estava em dificuldades. Depois vieram a Nickelodeon, a MTV, as TVs a cabo e a terceira rede de TV americana, a CBS. Tudo começou com 25 mil dólares revertidos em ações.
O objetivo dos Civita, da Abril, pode ser diferente dos Sirotsky, da RBS, mas ambos estão detonando um processo que pode atingir a médio e longo prazo praticamente todas as importantes empresas de mídia do país. O ingresso na Bolsa, os resultados iniciais, os resultados do primeiro ano e assim por diante serão acompanhados pelas demais empresas concorrentes, que analisarão os números e descobrirão o que representa esse recurso de investidores de bolsa, com quanto podem contar numa decisão como a das duas empresas pioneiras e qual a melhor estratégia de investimento para esse dinheiro.
Mãos familiares
Uma corrida à Bolsa de Valores dificilmente vai ocorrer, mas gradativamente as empresas poderão ir abrindo seu capital e contando com esta nova fonte de investimento em seus programas de inovação ou expansão, que sempre exigem recursos. Entretanto, para algumas empresas de comunicação a Bolsa poderá não ser uma boa solução, pois neste momento de turbulência no mercado e de dúvidas sobre o futuro seria impossível apresentar um bom port-folio aos investidores. E o negócio aparentemente bom para as empresas de mídia teria muitas dificuldades para cumprir esta promessa.
Certa feita o empresário Antonio Ermírio de Morais disse que nunca tinha aberto suas empresas para participação nos pregões da Bolsa porque não achava uma medida legitima oferecer vantagens de ganho a investidores, na hora de captar recursos, e procurar desvalorizar as ações, quando pretendesse recomprá-las. Entretanto, hoje, as manobras desse tipo são muito mais difíceis, pois a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem uma atuação muito mais efetiva e muitas normas, prevendo penalidades, foram criadas. Grandes empresas têm cometido graves infrações, como maquiar balanços para valorizar ações, nos Estados Unidos, nos últimos dois anos, mas isto não abalou o Dow Jones, nem aqui eventual acontecimento semelhante vai abalar a credibilidade que tem a CVM.
Os negócios jornalísticos e de mídia em geral nunca foram para a Bolsa, pois sempre tenderam a estar nas mãos de um indivíduo ou de uma família. Assis Chateaubriand, por exemplo, montou uma estrutura de capital com a participação das mais diversas famílias do Rio e de São Paulo para comprar o primeiro jornal da cadeia associada, que foi O Jornal, do Rio. O mesmo fez para lançar o Diário de S.Paulo e o Diário da Noite, em São Paulo. Entretanto, nem Geremia Lunnardelli, o maior plantador de café do mundo, nem Horácio Lafer, o líder empresarial brasileiro, que tanto colaboraram financeiramente com Chateaubriand, tiveram qualquer participação na administração dos jornais associados. E possivelmente torceram o nariz muitas vezes, quando se depararam com os artigos agressivos do Macaco Elétrico ou de A. Raposo Tavares, pseudônimos de Chatô quando este queria atingir alguém de forma mais violenta, sem nada poder fazer, pois apenas assinaram o ‘livro de ouro’, sem direito a voto nem a opinião contrária, muito menos participação nos resultados.
Propriedade coletiva
Em 1875, dez nomes dos mais conceituados da sociedade paulista se constituíram num grupo voltado para a comunicação, que tentou, inicialmente, adquirir o maior jornal da época, o Correio Paulistano. Não conseguindo adquirir o tradicional jornal, o grupo partiu então para a fundação de O Estado de S. Paulo (com o nome inicial de A Província de S. Paulo). Quarenta anos depois, a família Mesquita já controlava o empreendimento jornalístico, que acabou dominando a leitura de notícias em São Paulo, deixando o Correio Paulistano para trás, até que este deu seus últimos suspiros no fim da década de 1950. A família Mesquita dirigiu todas as atividades do Estadão até quando entendeu que os tempos são para administração profissional, há três anos.
O próprio Chateaubriand, pouco antes de ser acometido do derrame que o colocou numa cadeira de rodas, viria a tomar uma atitude totalmente contrária ao seu estilo de dirigir os Diários e Emissoras Associados: criou o Consórcio Associado, destinado a dividir o poder da cadeia e garantir uma administração sadia para o grupo. Formado por dezenas de participantes, o Consórcio tinha, por exemplo, Edmundo Monteiro conduzindo o empreendimento em São Paulo, João Calmon no Nordeste, e Leão Godim de Oliveira no Rio. Esta organização implantada por Chateaubriand poderia ser facilmente definida por quem conhecesse estes homens como ‘um saco de gatos’. A morte de Chatô ocorreu quando o Consórcio já tinha uma vida de vários anos e, mesmo assim, brigas internas e ausência total do dinamismo necessário para reaver a alma dos associados levaram a maior cadeia de comunicações do país a se esfacelar. Dela restar apenas um pequeno grupo de jornais e emissoras, nada comparável ao que fora um dia.
Outro exemplo de coletivismo foi o caso da Fundação Cásper Líbero, formada pelos jornais A Gazeta e A Gazeta Esportiva, as emissoras de rádio Rádio Gazeta e Gazeta FM e o canal de televisão TV Gazeta. O jornalista Cásper Líbero sonhava em ver seu empreendimento jornalístico em São Paulo ser conduzido por seus colaboradores jornalistas e gráficos e por isso criou a fundação que levou seu nome, com o objetivo de transformar o negócio em propriedade coletiva. Com sua morte, em acidente de avião, a Fundação Cásper Líbero assumiu a organização e não precisou de muitos anos para a administração entrar em crise, ficar sob a tutela da concorrente Empresa Folha da Manhã, detentora dos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo. A fundação entrou nos últimos anos numa fase de equilíbrio, mas perdeu aquele espírito empreendedor de todos os negócios de mídia.
Coisa do passado
Finalmente, podemos incluir nestes exemplos de administração individual ou familiar a Folha de S.Paulo. Octávio Frias de Oliveira formou parceria com Carlos Caldeira Filho para adquirir a Folha de Nabantino Ramos e conduzir seus destinos por mais de 20 anos, inclusive durante a difícil época da ditadura. Embora não entendessem nada de jornal, a dupla Frias-Caldeira conseguiu a proeza de ser a primeira a inovar a impressão, substituindo o sistema de chumbo pelo off-set, e a manter sob o teto da empresa jornalistas tão diametralmente opostos como Cláudio Abramo e Antonio Ágio. Entretanto, ao raiar da abertura política, Frias e Caldeira divergiram sobre o posicionamento que a Folha adotaria.
E, seguindo esta tendência de individualizar a administração, a Folha passou então para Frias, enquanto Caldeira levou a parte da empresa de menos risco, que foi a Companhia Lytográfica Ypiranga, onde ainda continuam sendo impressas inúmeras revistas de terceiros. O patriarca Frias, próximo dos seus 90 anos, continua à frente da mais importante área de um jornal, que é a supervisão dos editoriais, e todos os assuntos de alta relevância passam por ele, que confessa abertamente que é um homem de sorte por ter tido um filho voltado para a redação, o Otavio Frias Filho, e outro dedicado exclusivamente à administração, o Luis Frias.
Dirigir jornais e emissoras em empresa fechada de um só dono ou no máximo uma família pode ser coisa do passado. O empreendimento de mídia atual comprovadamente tem que ser gerido por uma administração profissional. O Estadão é um dos exemplos de grande empresa jornalística que deixou de ser familiar para passar a uma gestão profissional, como tantas outras organizações no mundo inteiro. Entretanto, apenas uma gestão profissional não é mais a resposta às grandes responsabilidades que são impostas às empresas de mídia neste momento. Os novos jornalistas não têm nem mesmo tempo para crescer profissionalmente antes de assumir responsabilidades.
Novos horizontes
O compromisso com resultados claros começa com o estagiário e num lance rápido o jovem repórter é alçado a alguma subeditoria: a empresa de mídia tem que assumir altos encargos, diante de um mercado exigente, uma concorrência maior e a presença de inovações tecnológicas, que se não nos obrigam a adquiri-las nos fazem concorrência implacável. Esta realidade leva a empresa a compartilhar seus encargos com os funcionários, os fornecedores e os clientes. Não existe mais negócio sem múltiplas parcerias. E a Bolsa de Valores nada mais é que uma modalidade de parceria, numa troca de participação nos lucros pelo investimento feito. É também uma forma de dividir a responsabilidade com alguém que está fora do tripé funcionário-cliente-fornecedor.
A Editora Abril e a RBS estão partindo para esta nova aventura com condições de tirar o melhor desta parceria com o mercado de ações. Estão abrindo um caminho para fortalecer a empresa de comunicação com recursos financeiros e com nova sinergia advinda desta parceria. Repetindo o que dissemos no início: os desafios atuais exigem a busca de alternativas como esta.
Novos caminhos abrem novos horizontes. A ITT, a gigante da telefonia americana, que reinou soberana no mercado global, até os anos 1980, quando as leis antitruste dos Estados Unidos obrigaram-na a subdividir-se em três empresas, é um bom exemplo disso. No inicio do século passado, era uma empresa ameaçada pela estatização. A telefonia na França já havia sido desapropriada pelo governo. Esta idéia também poderia prevalecer nos Estados Unidos. Para se defender, a ITT resolveu se tornar uma propriedade coletiva: lançou ações na Bolsa de Valores e, embora continuasse privada, era uma empresa de toda uma população. Com isso, afastou o fantasma da estatização, capitalizou-se e pôde se expandir, teve que trabalhar melhor para assegurar rendimento aos acionistas, e acabou nos anos 1960 e 70 como a maior empresa privada do mundo. O segredo para tão fantástica trajetória foi sem dúvida aquela decisão de abrir o capital ao investidor da Bolsa.
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Jornalista